Há uma guerra ruidosa e mal cheirosa instalada entre as facções jurídicas do golpe. Numa trincheira desta guerra está a força-tarefa da Lava Jato. Na outra trincheira está o pólo comandado pelo juiz tucano do STF Gilmar Mendes.
Nesta guerra, a Rede Globo está do lado da força-tarefa da Lava Jato, com quem forma a ditadura jurídico-midiática que manieta um cada vez mais cambaleante Michel Temer.
As escaramuças entre o pólo golpista comandado por Gilmar Mendes e a turma do Moro, Janot e Dallagnol se acentuaram precisamente no momento em que ficou impossível esconder a corrupção das lideranças do PSDB. Gilmar teve, então, de maneirar a artilharia anti-petista depois que FHC, Alckmin, Aécio, Serra e os esquemas industriais de corrupção do PSDB foram revelados pelos diretores da Odebrecht e de outras empreiteiras.
A passagem das escaramuças à guerra aberta deu-se num pequeno passo. A batalha mais recente desta guerra foi o inédito pedido do procurador-geral para que o STF considere Gilmar Mendes suspeito e, portanto, impedido de atuar no julgamento de ações judiciais de interesse de Eike Batista, uma vez que Guiomar Mendes, esposa do juiz tucano, é sócia do escritório de advocacia que defende o empresário e dele recebe honorários advocatícios [!!].
Janot argumentou que “A situação evidencia o comprometimento da parcialidade do relator do habeas corpus […] tendo ele [Gilmar] incidido em hipótese de impedimento ou, no mínimo, de suspeição”. O pedido do procurador-geral se ampara no artigo 144 do Código de Processo Civil [CPC], que proíbe um juiz exercer funções no processo “em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório” [inciso VIII].
Janot pediu ainda que o STF “declare a nulidade dos atos decisórios por ele praticados”, ou seja, que anule aquele habeas corpus que Gilmar concedeu a Eike Batista marotamente depois das 19 horas da sexta-feira 28 de abril, véspera de feriadão com o noticiário dominado pela greve geral.
Sobram motivos [e falta coragem] ao Senado para aplicar o inciso 2 do artigo 52 da CF e instalar o processo de impeachment do Gilmar Mendes, cuja atuação partidária ofende a Constituição, a Lei Geral e o Código de Ética da Magistratura e o CPC. O procurador-geral acabou de oferecer mais um motivo à ampla coleção de razões para que Gilmar seja ejetado da esfera jurídica e estimulado a assumir protagonismo na arena partidária, porém sem o disfarce da toga.
Com esta ação inédita contra um juiz do STF, Janot tenta fortalecer o poder da sua corporação e da ditadura Globo-Lava Jato no tabuleiro do golpe. O procurador-geral não está preocupado com a decência e a moral pública, mas com o jogo de poder que se trava no interior do regime de exceção.
Se assim não fosse, e se Janot de fato estivesse comprometido com o Estado de Direito e com a lisura dos atos jurídicos, ele deveria ter arguido a suspeição do Gilmar em 18 de março de 2016, quando o juiz tucano atendeu o pedido do PSDB e do PPS e impediu a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil.
A autora daquele descabido pedido que sequestrou a prerrogativa constitucional da Presidente Dilma nomear seus ministros foi a advogada Marilda de Paula Silveira – professora e coordenadora da pós-graduação no Instituto Brasiliense de Direito Público [IDP], que tem Gilmar Mendes como sócio-proprietário.
Naquele março de 2016, Janot prevaricou e não pediu a suspeição do Gilmar para não comprometer a evolução da empreitada golpista conduzida por Eduardo Cunha e Temer. Ele poderia ter invocado o inciso V do artigo 144 do CPC, que impede o juiz de exercer funções no processo “quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo”.
A suspeição do Gilmar, por isso, teria de valer também para o próprio Janot, personagem que atua com parcialidade e facciosismo. Nos momentos cruciais, Janot só aplica a Lei quando esta não interfere na caçada ao Lula e ao PT e não prejudica a continuidade do golpe, como é o caso da recusa em investigar as denúncias de mais de 40 milhões de dólares de propinas supostamente negociadas pelo usurpador Temer com a Odebrecht.
Gilmar e Janot têm atuação incompatível com as altas funções que ocupam no sistema jurídico brasileiro. Ambos deveriam ser destituídos dos cargos para os quais não estão preparados e a partir dos quais perpetram ataques à Constituição e erodem o Estado de Direito.