Quando as pessoas compreenderem
que o respeito é a essência de todas as relações,
não precisaremos de tantas leis para puni-las.
Ivane Rodrigues
Saudações, Mulher!
ARTIGO
A comunicação tem o poder transformador de tocar um maior número de pessoas em tempo recorde e, em meio a tantos desafios e conquistas, a Mulher segue galgando novos espaços. Essa jornada feminina na sociedade é datada de séculos atrás. Uma questão que, por si só, já merece destaque e ambientes maiores de discussão dos seus direitos, necessidades e escolhas.
Desde as bruxas perseguidas na idade média até as sufragistas que foram às ruas para conquistar o direito ao voto, é impossível olhar para o nosso Brasil de hoje sem destacar, suscintamente, alguns marcos memoráveis na luta da Mulher por dignidade, respeito, igualdade e fim da violência:
- 1827 – Meninas na escola de ensino básico – Em 29 de outubro, Dom Pedro I, publicou a Lei 15 de outubro, registrada ás fls. 180 do livro 4º de registro de cartas, leis e alvarás do Brasil, que permitiu o ingresso de Meninas em escolas de ensino básico. Atualmente, entre as Mulheres de até 25 anos, mais da metade (51,0%) tem, ao menos, o ensino médio completo, enquanto entre os homens esse percentual é de 46,3% (PNAE, 2019).
- 1879 – Mulheres no ensino superior – Somente em 1879 é que as portas das universidades foram abertas para as Mulheres no Brasil. Contudo, segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), que trata de Mulheres brasileiras na educação e no trabalho, as Mulheres têm conquistado mais espaço no sistema de aprendizagem e existe uma tendência geral de aumento da escolaridade das Mulheresem relação aos homens. O que evidencia isso é o fato de que, entre os homens com 25 anos ou mais de idade, 15,1% têm ensino superior completo, já entre as Mulheres com 25 anos ou mais, 19,4%completaram o ensino superior no Brasil.
- 1910 – Primeiro partido feminino – A passos lentos, mais de 20 anos após a Proclamação da República (1889), em 1910, no Rio de janeiro, foi criado o primeiro partido político feminino, Partido Republicano Feminino, pela sufragista Leolinda de Figueiredo Daltro, conhecida como a “mulher do diabo” (1860-1935), como ferramenta de defesa da participação social das Mulheres no cenário político e de mobilização de Mulheres na luta pelo direito ao voto. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2023), dos filiados 8.493.990 são homens, representando 53,8% do total, enquanto 7.284.431 são Mulheres (46,2%). Apesar da diferença entre os filiados por gênero não ser tão significativa, a representatividade efetiva das Mulheres na política é bastante desigual. Nas Eleições Gerais de 2022, por exemplo, 9.891 mulheres se candidataram, porém somente 311 delas foram eleitas, correspondendo a apenas 18,2% do total de eleitos.
- 1932 – Voto feminino – De forma tardia, porém, inevitável, em 1932, o sufrágio feminino foi garantido pelo primeiro Código Eleitoral Brasileiro (Lei nº 21.076/32) – uma vitória da luta das mulheres que, desde a Constituinte de 1891, pleiteavam o direito ao voto. Atualmente, as Mulheres constituem a maioria da população brasileira (51,1%) e correspondem a 52,65% das pessoas aptas a votarem (TSE,2023).
- 1962 – Estatuto da Mulher Casada – Em 1962, a Lei nº 4.212/1962, permitiu que Mulheres casadas não precisassem da autorização do marido para trabalhar, passaram a ter direito à herança e a pedir a guarda dos filhos em casos de separação. Nesse mesmo ano, a pílula anticoncepcional chegou ao Brasil e acirrou a discussão sobre a autonomia da Mulher sobre seus direitos reprodutivos e sua liberdade sexual. Uma pesquisa do IBGE (2023) mostra que, embora o número de pais que optaram pela guarda compartilhada dos filhos subiu de 7,5% em 2014 para 34,5% em 2021, na maioria dos casos, os filhos fixam residência com a mãe, que enfrentam árduos desafios na ponderação entre a gestão familiar, o custo de vida e as interrupções no mercado de trabalho. O que requer um poder de criatividade e diversidade de ideias e habilidades para não se perder o ritmo da participação econômica e oportunidades. Sobre a sexualidade, dados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA, 2022) apontam que, entre as mulheres tem aumentado a tendência ao exercício da sua sexualidade sem a obrigação de ter filhos ou agradar o parceiro e que, 1 em cada 7 Mulheres de até 40 anos já fez um aborto. Apenas em 2021, estima-se que meio milhão de mulheres interromperam uma gestação no Brasil (isso não é um incentivo ou discussão sobre a legalização do aborto).
- 1974 – Mulheres conquistam o direito de portarem um cartão de crédito – O uso do cartão de crédito era exclusivo dos homens até 1974, visto que eram eles que determinavam como a renda familiar era administrada. Mulheres solteiras ou divorciadas que solicitassem um cartão de crédito ou empréstimo eram obrigadas a levar um homem para assinar o contrato. A Lei nº 6.024/74, lei de igualdade de oportunidade de crédito, foi aprovada para que clientes não fossem mais discriminados baseados no gênero ou estado civil. Segundo dados da pesquisa realizada pelo DataFolha (2023), 53% das Mulheres no Brasil possuem cartão de crédito como titulares, em contraponto a 59% dos homens.
- 1977 – A Lei do Divórcio – As Mulheres eram obrigadas a ficarem presas aos seus casamentos, mesmo que fossem infelizes em seu dia a dia. Somente a partir da Lei nº 6.515/1977 é que o divórcio tornou-se uma opção legal no Brasil, embora por muito tempo ainda prevalecia um estigma social discriminatório em torno da Mulher divorciada, o que fez muitas Mulheres optarem por casamentos infelizes e abusivos, por receio da repressão social. Segundo dados do IBGE (2021), em 2018 as mulheres pediram 50% mais a separação do que os homens e, em 2020, 40%.
- 1979 – Mulheres no futebol – Mulheres praticam esportes há muito tempo, porém, durante 40 anos (1941-1983), o Decreto-lei nº 3.199/41, de Getúlio Vargas, proibiu as Mulheres de praticarem esportes incompatíveis com as “condições de sua natureza”. Devido a prática constante, ainda que informal, das Mulheres nos esportes, o Conselho Nacional de Desportos (CND), regulamentou o futebol feminino através do artigo 54 do Decreto-Lei nº 3.199/83. Essas quatro décadas de vedação até o reconhecimento oficial futebol feminino trouxeram reflexos negativos no esporte até hoje, como o pouco incentivo ao futebol feminino, falta de patrocinadores e baixos salários. Segundo dados da DataFolha (2023), apenas 6% das mulheres dizem jogar futebol no Brasil, atualmente.
- 1985 – Primeira Delegacia da Mulher – A Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) surge em São Paulo e, logo depois, outras unidades começam a ser implantadas em outros estados. Essas delegacias especializadas da Polícia Civil realizam, essencialmente, ações de proteção e investigação dos crimes de violência doméstica e violência sexual contra as Mulheres. Em 2023, existiam, aproximadamente, 492 delegacias especializadas no atendimento à Mulher no país e, apenas, 60 (12,1%) funcionam 24 horas por dia é o que aponta o levantamento do G1 junto aos governos estaduais (G1, 2023).
- 1988 – Igualdade entre mulheres e homens – Foi apenas na Constituição de 1988 que as Mulheres conquistaram a paridade de gênero na legislação brasileira. Após as pressões de movimentos populares que ganharam as avenidas na luta pela democracia, é que a Mulher foi incluída legalmente como cidadã com os mesmos direitos e deveres dos homens – pelo menos na Constituição. No ranking dos países com melhor paridade entre os gêneros, o Brasil subiu da 94ª posição em 2022 para a de 57ª em 2023, segundo o último relatório Global Gender Gap do Fórum Econômico Mundial. Na escala de 0 a 1 usada pelo estudo, o índice brasileiro está com 0,726 ponto, sendo que 1 significa nenhuma diferença entre homens e Mulheres. O índice geral é uma média simples entre quatro critérios que comparam as diferenças entre os gêneros: participação e oportunidades econômicas (0,670), oportunidade educacionais (0,992), acesso à saúde (0,980) e empoderamento político (0,263). Se as nações continuarem no ritmo atual, o ano estimado para isso é 2.154. A paridade de gênero avança a passos lentos, entre 2022 e 2023, ela melhorou apenas 0,3% globalmente e, desde o primeiro relatório, em 2006, ela avançou 4,1%. Além disso, ainda há um avanço em relação aos anos da pandemia. Segundo o relatório, a paridade retornou só agora aos níveis pré-Covid-19.
- 2006 – Lei Maria da Penha (11.340/06) – Em 2006 foi sancionada lei de prevenção e combate a violência doméstica e familiar contra a Mulher, estabelecendo uma rede de proteção a Mulheres em situação de vulnerabilidade. Em 2023, de acordo com dados da 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, divulgada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV, 2023). No recorte regional, a percepção de aumento da violência contra a Mulher foi mais acentuada na região Centro-Oeste (79%), seguida pela região Nordeste (78%), depois Norte (74%), Sudeste (72%) e em último lugar a região Sul (66%). O levantamento ainda mostra que 30% das Mulheres do país já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens. O número representa mais de 25,4 milhões de brasileiras que já foram vítimas desse tipo violência em algum momento da vida.
- 2015 – Lei do Feminicídio – No dia 9 de março de 2015, a Constituição Federal reconheceu a partir da Lei nº 13.104/2015 o feminicídio como um crime de homicídio qualificado. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023) atestaram um salto de 14,9% nos casos de estupro. Foram 2,6% a mais neste ano do que nos primeiros seis meses de 2022: 722 feminicídios no total, o maior número da série histórica. O anuário da violência aponta que, em 2022, foram as Mulheres em idade reprodutiva as principais vítimas desse tipo de crime: 71,9% das 1.437 mortes. Dessas, 61,1% eram Mulheres Houve aumento no ano passado também dos casos de estupro contra meninas e mulheres. Ao todo, foram 34 mil casos, salto de 14,9%. Isso corresponde a uma ocorrência de violência sexual a cada 8 minutos, a maior proporção desde 2019.
- 2018 – Crime de importunação sexual feminina – Ser Mulher ainda – e infelizmente – é motivo para vivenciar situações de assédio e violência no dia a dia, no ônibus, em aplicativos de carros particulares ou numa simples ida ao mercado. A ocorrência deste tipo de prática contra as Mulheres é tanta que a pauta feminista precisou incluir em suas ações a defesa da lei que caracteriza o assédio como crime (Lei nº 13.718/2018). Apesar desta legislação garantir proteção às pessoas de todos os gêneros, a força do movimento feminista foi essencial para que ela se tornasse uma realidade em nossa sociedade. Não é como se hoje não sofrêssemos mais com o assédio, mas pelo menos agora temos um mecanismo legal para defender nosso direito de ir e vir. Dados do FBSP (2023) apontam um crescente número de notificações de crimes sexuais contra Mulheres no Brasil, a cada 8 minutos, uma Menina ou Mulher foi estuprada no primeiro semestre de 2023, maior número da série iniciada em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Foram registrados 34 mil estupros e estupros de vulneráveis de Meninas e Mulheres de janeiro a junho, o que representa aumento de 14,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Além disso, há uma subnotificação, principalmente, em relação aos crimes de assédio e importunação sexual, devido a difícil comprovação ou ao constrangimento e exposição do caso.
- 2021 – Lei para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher – A Lei 14.192/21 estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a Mulher ao longo das eleições e durante o exercício de direitos políticos e de funções públicas. É violência política contra as Mulheres toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos. Dados do Ministério Público Federal (MPF) contabilizaram, até novembro de 2022, 112 procedimentos relacionados ao tema, em 15 meses, a cada 30 dias, ocorreram sete casos envolvendo comportamentos para humilhar, constranger, ameaçar ou prejudicar uma candidata ou mandatária em razão de sua condição feminina. Nas eleições de 2022, registrou-se crescimento de 18% na bancada feminina na Câmara Federal. Foram eleitas 91 deputadas, contra 77 em 2018. Do total de 513 parlamentares, apenas 17,7% são Mulheres. No Senado, com um total de 81 cadeiras, elas perderam duas e ocuparão dez (12,3%) a partir de 2023. E, entre os 26 estados e o Distrito Federal, apenas Rio Grande do Norte e Pernambuco serão governados por mulheres. Apesar de corresponder a mais de 52% da população, as mulheres ainda têm uma baixa representatividade feminina, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A jornada da Mulher atesta sua força em resistência e persistência. Nesse recorte de conquistas, entre muitas não mencionadas e diversas a serem alcançadas, tem-se, principalmente, a deixar claro que a mulher moderna não é uma caçadora de homens e nem uma usurpadora do trono patriarcal. A Mulher moderna quer o lugar que lhe é próprio por direito, de ser ouvida, protegida, respeitada como cidadã e de ter uma vida digna, sem quaisquer tipos de violências.
Vale a pena proteger aquela que é doadora da vida, que a todos ensina os primeiros passos e o verdadeiro significado do amor sem medidas. A Mulher tem tanto a acrescentar que, olhando para o seu memorial histórico, convém questionar: se não existisse tanta violência, onde a mulher poderia estar?
Cada um pode ter seu espaço sem agredir ou subjulgar o outro. É necessário que exista um equilíbrio entre essas duas forças que podem, juntas, transformar o mundo. Pois, quando as pessoas comprenderem que o respeito é a essência de todas as relações, não precisaremos de tantas leis para puni-las.
Contudo, irmãos e irmãs, a violência contra a mulher precisa acabar. Esse é o nosso maior e mais urgente desafio. A violência persiste entre nós, nos becos das ruas e nas mãos daqueles que nos abraçam a noite. A violência não é só a física, antes de atingir o corpo, ela destrói a alma e o emocional da mulher, a ponto dela se sentir incapaz de revidar, de acreditar que merece apanhar ou de justificar a atitude do seu agressor. A violência nunca começa com um soco, ela chega mansamente com uma sutil repressão do tipo “isso não é roupa de mulher decente” ou “você é gorda, feia, velha, ninguém vai te querer com esse tanto de filhos” e tantas outras afirmações negativas disfarçadas de cuidado no “jeitinho dele”. Paulatinamente, essa agressão moral evolui para algo que machuca mais profundamente a mulher, o psicológico, vai tornando-a mais fraca, tira dela sua independência financeira e autonomia, tornando-a incapaz de se libertar e seguir em frene sozinha, violando seu corpo contra sua vontade, até que um empurrão e uma tapa no rosto sejam normais, até que tira-lhe a vida seja justificável, pois foi apenas um momento em que “ele perdeu a cabeça”, “estava com raiva”.
Infelizmente, no passado, foi necessário que muitos escravos morressem para que eles fossem libertos e, hoje, muitas mulheres estão imergindo no silencioso mar do feminicídio.
Os que ainda acham um absurdo a rigorosidade das leis aplicadas contra os que praticam violência doméstica e familiar, vivem numa bolha, e, certamente, não experienciaram, ainda que por um exercício empático, a dor de ter uma pessoa querida, uma irmã, uma mãe ou uma filha, sendo violentada, diuturnamente, pelas mãos daquele que lhe devia proteger e amar.
Esse não é um desabafo. Não é uma fala feminista. É um pedido de socorro de uma voz feminina por tantas outras que não podem falar por si mesmas neste momento: proteja as mulheres que você ama!
Na comunicação maranhense, a partir de 2024, o grupo Saudações, através do Programa SAUDAÇÕES MULHER, será um espaço para dar voz a todas as Mulheres. Venha fazer parte dessa rede de conhecimento, interação e integração de histórias de Mulheres que inspiram e ajudam outras Mulheres nessa jornada de desafios e conquistas. Sozinhas somos fortes, juntas somos imbatíveis!
Saudações, Mulher!
Ivane Rodrigues
Professora & Advogada
Programa SAUDAÇÕES MULHER
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