Sempre que se imagina o fim precoce do governo Jair Bolsonaro, convém recordar as opções legais para isso acontecer.
Para a renúncia, é preciso aguardar pela concordância do principal interessado.
Para a apresentação e aprovação de um pedido de impeachment, é preciso contar com uma maioria parlamentar de dois terços, sem falar na indispensável concordância do Judiciário.
Essas condições mostram que a queda de Bolsonaro, mesmo que seja vista como uma necessidade para interromper um processo selvagem de auto-destruição do país, está longe de ser uma opção simples e fácil.
Envolve reações e contra-reações, num processo que mobiliza forças e interesses de envergadura, internos e externos.
Implica, em primeiro lugar, a postura do próprio presidente, como mostra a leitura de um tenebroso texto atribuído a um obscuro militante do Novo, que o próprio Bolsonaro compartilhou em suas redes sociais 48 horas depois do protesto de 15 maio, quando 2 milhões de brasileiros e brasileiras foram às ruas do país.
Ali, depois de retratar o que seria um país “ingovernável”, vislumbra-se um golpe de Estado como a única saída para os impasses do país, solução inevitável para derrotar o que chama de força das “corporações” que estariam dominando as várias esferas da República desde sempre.
“A hipótese nuclear é uma ruptura institucional irreversível, com desfecho imprevisível. É o Brasil sendo zerado, sem direito para ninguém e sem dinheiro para nada”, diz o texto que o presidente compartilhou.
Pela retórica, o texto repete os argumentos típicos das intervenções de força contra os regimes democráticos. Elas sempre procuram forjar justificativas para gestos condenáveis, que contrariam a Constituição de um país e colocam uma nação inteira sob um regime de treva.
Numa passagem particularmente significativa, o texto utiliza o recente conflito entre o guru-pornógrafo Olavo de Carvalho com os ministros militares como mais um argumento para uma intervenção de força: “Agora, como a agenda de Bolsonaro não é do interesse de praticamente NENHUMA corporação (pelo jeito nem dos militares), o sequestro fica mais evidente e o cárcere começa a se mostrar sufocante”.
Ou seja: não se quer dar um golpe para instalar uma ditadura mas para libertar o país de um “cárcere sufocante”. Entendeu? Como sempre acontece, é mais fácil entender um texto político em seu contexto mais amplo.
Definido como “pária” internacional pelo Financial TEMPOs, Bolsonaro compartilhou tais aberrações políticas sobre o Brasil num momento em que seus aliados começam a preparar um ato público para o dia 26.
Nesta data, o bolsonarismo tentará disfarçar o próprio isolamento político, configurado nas ruas de 15 de maio — e ainda nos conflitos no Congresso, na decepção de empresários e de aliados políticos que lhe deram apoio para derrotar o PT em 2018, para não mencionar o aperto das investigações contra seu filho Flávio, o amigo Queiróz e os fantasmas das milícias.
Se tivesse a postura de um presidente da República, Bolsonaro teria tomado iniciativas para responder aos protestos legítimos da população contra cortes na educação pública. É sua obrigação.
Portando-se como um chefe de facção, Bolsonaro investe na divisão do país, elevando a polarização da sociedade para um novo patamar de confronto, de consequências imprevisíveis.
Aqui, numa demonstração grotesca de sua falta de compromissos com a Constituição que jurou defender em 1 de janeiro, compartilha um texto onde se defende uma “ruptura institucional irreversível”.