Disse bem o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, quando afirmou que “com método e paciência, Bolsonaro vai destruindo o Brasil e semeando a morte e o descrédito”. Penso, porém, fosse melhor substituir a palavra “paciência” por impaciência, pois a fúria destrutiva de Bolsonaro deixou de ser semanal e passou a ser diária. Não edificou nada até agora que beneficiasse o povo e que engrandecesse o Brasil. De fato, está sendo metódico e sistemático na destruição.
Na mais grave crise de saúde pública dos últimos cem anos, Bolsonaro se deu ao luxo de destruir o Ministério da Saúde, de semear a morte, a mentira e o charlatanismo curandeirista misturado com o charlatanismo religioso. Além de semear a morte e de ser o principal responsável pela disseminação do vírus pelo desgoverno, pela desorientação e mentiras sistemáticas, vai destruindo também a economia: ele é o principal responsável pelo isolamento longo e desorganizado, postergando assim a retomada das atividades produtivas.
Somente os isolamentos rígidos, dirigidos por um comando único nacional e unificado, tiveram grande adesão, foram curtos e permitiram mais rapidamente a retomada das atividades produtivas. Assim, Bolsonaro é metódico e sistemático também na destruição da economia, dos empregos e na disseminação da pobreza e da fome. Como se trata de um presidente cruel, humilhou o povo brasileiro pobre em intermináveis filas na CEF – pessoas humildes expostas ao medo, à contaminação, ao desespero e à vergonha. Não há a menor dúvida de que o governo postergou e criou dificuldades deliberadamente para liberar o auxílio emergencial com a intenção de criar tumulto social, pois Bolsonaro é um pescador de águas turvas e turbulentas já que é no caos social que ele encontra terreno fértil para avançar com o seu projeto de autoritarismo incremental.
Desde o início do governo, Bolsonaro é metódico e sistemático na destruição da democracia e do Estado de Direito. Vários de seus decretos e medidas provisórias eram flagrantemente inconstitucionais. Atacou com fúria demolidora os mecanismos de fiscalização, segurança, controle e investigação. Aqui podem ser citados: a Receita Federal, o Coaf, a Polícia Rodoviária Federal, a legislação de trânsito, o transporte de crianças, a liberação de armas com o objetivo de favorecer milícias, grileiros e bandidos, afrouxando, inclusive, a fiscalização pelas Forças Armadas.
Bolsonaro foi metódico e sistemático em destruir a política ambiental e as instituições que a sustentavam como o Ministério do Meio Ambiente, o ICMbio, o Ibama, a própria Funai e todo o sistema de fiscalização. O que se vê nessa área é terra arrasada, incêndios, cadáveres de árvores, florestas inteiras postas ao chão impiedosamente e animais silvestres queimados. O Brasil virou um pária ambiental global.
Bolsonaro é metódico e sistemático para destruir a pesquisa científica, a cultura, as universidades, o pensamento livre e crítico, inerente às democracias, à liberdade e ao progresso econômico e social. Neste aspecto, investe também sua fúria demolidora também contra a imprensa que não lhe é subserviente, ofende jornalistas e agride, principalmente, as jornalistas mulheres. Não por acaso, o seu ex-aliado Paulo Marinho testemunhou que ele despreza as mulheres.
Mas Bolsonaro está indo mais fundo e de forma mais perigosa na destruição dos poderes da República. Age para interferir, politizar e desorganizar a Polícia Federal, visando estabelecer seu controle sobre ela. Age para interferir, politicar, dividir, desorganizar e desviar de suas funções as Forças Armadas, visando criar um ambiente propício para implantar um regime autoritário. Hélio Gaspari também disse bem ao afirmar que Bolsonaro semeia a anarquia militar. Já tinha estimulado tumultos e rebeliões por meio de seus agentes em algumas polícias militares, notadamente no Ceará. Bolsonaro é especialista em indisciplina militar, expulso que foi do Exército.
Cada vez mais isolado, Bolsonaro encontra respaldo em suas milícias ideológicas, cada vez mais propagadoras da violência, em pastores e bispos charlatões que são verdadeiros caça-níqueis explorando a boa fé dos pobres, em militares e, agora, provavelmente, nos partidos do centrão, baluarte da corrupção, do oportunismo político e da prática da política mercenária.
O que mais preocupa é o apoio que os militares emprestam a este presidente que traiu o povo e traiu o país, desmoralizando o Brasil no mundo. É bem verdade que os militares têm episódios pouco edificantes com suas intervenções políticas. Intervenções políticas de militares revelam que se trata de maus militares. O bom militar se prepara para a guerra, defende seu país dos inimigos externos, zela pela segurança e pela paz e cumpre a Constituição.
Quando o artigo 142 da Constituição diz que uma das funções das Forças Armadas consiste na “garantia dos poderes constitucionais”, isto significa que elas devem garantir o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, tal como a Constituição os estabelece. Não é papel das Forças Armadas garantir ou interpretar a Constituição: este é o papel do STF e as Forças Armadas só devem agir quando convocadas por um poder constitucional. As Forças Armadas não são a Constituição, não são donas da Constituição, mas são servas da Constituição. Qualquer conduta desviante deve ser punida.
As Forças Armadas angariaram um legítimo e merecido prestígio depois do processo de redemocratização. Não há Estado-nação sem forças armadas. Este prestígio adveio do seu profissionalismo, dos serviços que os militares prestam ao povo e ao país e pelo seu relevante papel de integração nacional. Como diz o Aldo Rebelo, as Forças Armadas são a única instituição que tem uma presença realmente nacional.
Nesse período da redemocratização foram pontuais as manifestações políticas de militares. Mas deste a instalação do governo Bolsonaro, as coisas foram mudando. Hoje, o governo Bolsonaro pode ser definido como “o governo militar de Bolsonaro”, tal a presença de militares em seu governo. Desta forma, o governo aparece aos olhos da população e dos observadores como um governo de consorciação com as Forças Armadas.
As Forças Armadas aparecem associadas com um presidente que destrói o Brasil e semeia a morte; com um governo que traiu o Brasil e seu povo; com um governo contra a ciência, contra a cultura, contra a saúde e que desmoraliza o Brasil no mundo. É bem verdade que o Ministério da Defesa emitiu notas afirmando o papel constitucional das Forças Armadas. Mas é inequívoco que o governo Bolsonaro se sustenta num aparato militar.
No passado, as intervenções militares eram feitas com base em determinadas justificativas. Agora não há nenhuma justificativa para tamanha presença de militares no governo e para a sua sustentação militar, provocando uma indevida e perigosa politização das Forças Armadas. Até mesmo porque alguns generais foram desmoralizados por Bolsonaro e seus milicianos ideológicos.
É bem verdade também que os militares, principalmente os de alta patente, angariaram privilégios sob o governo Bolsonaro em termos de aposentadorias e soldos. É provável ainda que os militares que participam do governo dobrem seus ganhos. Então, se não há nenhuma justificativa pela presença maciça de militares no governo a ponto de transformá-lo num governo militar, essa presença se deve ao oportunismo pecuniário e aos privilégios. Tudo isso é contrário aos interesses do povo e contrário aos interesses do Brasil.
Esses militares precisam pensar na suas biografias, nos seus legados, pois a História será implacável com o governo Bolsonaro. As biografias dos integrantes desse governo aparecerão cobertas por milhares de cadáveres, pela fome e pela miséria, pelo desgoverno, pela desmoralização do Brasil no mundo e pela traição do povo. Os filhos, os netos, os parentes e os descentes dos que servem esse governo sentirão vergonha de seus antepassados porque se trata de um governo sem honra, sem moral e sem humanidade.