Responsável por coordenar os trabalhos de fiscalização dessas eleições municipais, o vice-procurador-geral eleitoral Renato Brill de Góes afirmou, em entrevista exclusiva ao GLOBO, que a campanha deste ano será “atípica” devido ao contexto da pandemia da Covid-19 e que, por isso, os atores políticos devem evitar a realização de eventos com aglomerações e distribuição de panfletos impressos. Brill afirma que o Ministério Público Eleitoral vai fiscalizar se os candidatos descumpriram normas sanitárias expedidas pelas autoridades locais e, caso isso ocorra, serão acionados na Justiça do ponto de vista sanitário, além das infrações eleitorais que podem ficar caracterizadas.
Brill disse ainda que a maior preocupação em relação às infrações eleitorais é a disseminação de notícias falsas e afirmou que o Ministério Público Eleitoral defende que a chapa de um candidato pode ser cassada caso se comprove que ele se beneficiou da propagação de fake news. Ele afirma que isso também pode ocorrer no caso de fraude à aplicação do percentual mínimo para as candidaturas femininas, por meio da existência de candidaturas-laranja, prática disseminada nas eleições anteriores. Além disso, o vice-procurador-geral eleitoral diz ser favorável à aplicação, para as eleições deste ano, das normas previstas na Lei de Proteção de Dados, que exigirá das campanhas eleitorais autorização do eleitor para o envio de mensagens e propagandas.
A Procuradoria-Geral Eleitoral é responsável por representar o Ministério Público Eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Como esse pleito é municipal, o órgão fica responsável por coordenar os trabalhos de fiscalização e também discutirá os processos em grau de recursos quando chegarem ao TSE. O procurador-geral da República Augusto Aras ocupa, constitucionalmente, a função de procurador-geral eleitoral. Por acumular diversas outras tarefas de seu cargo, entretanto, a atuação é delegada na maior parte do tempo ao vice-procurador-geral eleitoral. O subprocurador-geral da República Renato Brill de Góes foi nomeado para o cargo de vice-procurador-geral eleitoral em março deste ano.
O GLOBO — A Procuradoria-Geral Eleitoral editou portaria sobre a realização do pleito eleitoral em meio à pandemia da Covid-19 na qual recomenda, dentre outros pontos, que se evitem aglomerações. Como isso vai ser conciliado?
Renato Brill de Góes — Essa vai ser uma eleição atípica. Todos os atores políticos têm que estar consciente de que não vai ser como foram as demais no passado. Vai haver devido à pandemia uma limitação da forma de agir dos próprios candidatos e dos partidos políticos, no sentido de evitar aglomeração, contenção no que diz respeito à distribuição de panfletos, adesivos. Os candidatos e partidos vão ter que estar atentos às normas sanitárias editadas pelos Estados da federação e dos municípios, além das normas nacionais. Eles vão ter que seguir o que for determinado nessas limitações editadas pelo poder público municipal e estadual. Em cada Estado da federação vai haver parecer técnico da autoridade sanitária estabelecendo limites nesse processo eleitoral e o Ministério Público vai estar fiscalizando isso. Quando houver uma infração eleitoral, o Ministério Público vai representar à Justiça Eleitoral pedindo a cessação dessa conduta e a aplicação de multa. Quando a infração for só sob o aspecto de política sanitária, no que diz respeito não a uma infração eleitoral, mas a uma infração a essa norma sanitária executada pelo Executivo estadual ou municipal, aí o promotor eleitoral vai encaminhar ao promotor de Justiça responsável pela área de saúde para que ele tome providências para coibir aquela prática eleitoral infringindo apenas a parte sanitária. Se for infração em conjunto, vai haver uma atuação conjunta.
Isso significa que um candidato que promova aglomerações e eventos contrariando as recomendações sanitárias poderá ser punido do ponto de vista sanitário?
Vai ser acionado na Justiça e vai ter o poder de polícia dos juízes eleitorais determinando a cessação de ato ilegal na propaganda eleitoral e também, a depender do caso, a aplicação de multa.
Já circularam diversos vídeos de comícios com aglomerações, principalmente em cidades do interior. Houve ações por parte do Ministério Público Eleitoral sobre esses casos?
Na PGE oficialmente não chegou nada, porque ainda há uma demora entre o que chega na primeira instância até que isso venha à Procuradoria-Geral Eleitoral. Porque a eleição basicamente vai ser fiscalizada pelo promotor de Justiça eleitoral e decidida pelos juízes eleitorais de cada município. Vai haver um delay em relação a cada fase de processo eleitoral até chegar aqui. Mas eu mesmo já tenho conhecimento por redes sociais de algumas manifestações, por exemplo no interior de Pernambuco, que eu vi muito, e quando os procuradores regionais eleitorais recebem isso também, eles já provocam e encaminham aos promotores eleitorais respectivos desses municípios para saber se já adotaram providências em relação àquele caso veiculado. A rede social tem sido uma referência para monitorar infrações da campanha eleitoral.
Então estão chegando casos ao MPE nas diversas instâncias.
Sim, e nós temos um sistema que a Procuradoria Eleitoral desenvolveu, que chama Pardal, em que, no decorrer do processo eleitoral, todo cidadão tem acesso para apresentar ali notícia de fato de alguma irregularidade sobre campanhas eleitorais. Não só de propaganda eleitoral, mas também de gastos de campanha, arrecadação, compra de voto, enfim, qualquer denúncia de ilícito eleitoral o cidadão pode apresentar, basta seguir passo a passo nesse programa e vai cair na PGE e distribuído para o país todo. Então os promotores na ponta vão tomar providências junto ao juiz eleitoral para apurar aquela prática e, caso se comprovem, eles aplicam as sanções respectivas. Tem outro sistema Sisconta que é de investigação das contas judiciais e também da Lei da Ficha Limpa para coibir isso também, que está disponível para todos os promotores eleitorais. É um banco de dados alimentado por fontes externas, Tribunal de Contas da União, dos Estados, órgãos que recebem informação de inelegibilidade de candidatos. Todos os promotores eleitorais têm acesso a essa ferramenta para fim de impugnar e detectar os candidatos que solicitaram registro à Justiça Eleitoral e que possuam alguma irregularidade. São dois sistemas muito importantes.
Nesse contexto da pandemia, a campanha eleitoral por meio de redes sociais vai se intensificar e atrai ainda mais a importância de combate à disseminação de notícias falsas. Como a PGE está se preparando para isso?
Esse é o principal tema que foi desenvolvido aqui no decorrer desse ano. Nós preparamos um denso material distribuído a todos os procuradores regionais eleitorais, que repassam a todos os promotores eleitorais de todos os municípios no que diz respeito a essa temática da desinformação, para combater efetivamente essa questão. Nós desenvolvemos ferramentas e firmamos várias parcerias para preparar os membros do MP Eleitoral nesse combate. A PGE também fez uma parceria para treinamento em relação às plataformas do Facebook, Whatsapp e Instagram, para saber como funcionam essas plataformas nesse contexto da disseminação da desinformação. Vai haver apresentação por parte dessas plataformas do que está sendo feito por elas de uma forma preventiva para evitar esse tipo de acontecimento e o curso também vai propiciar o contexto dessas políticas internas no combate à desinformação e os aspectos práticos: como vamos tirar do ar, qual o passo a passo para o promotor seguir para fazer o contencioso judicial visando a prevenção e a repressão.
A orientação ao promotor ao detectar notícia falsa é acionar a Justiça Eleitoral para tirar o conteúdo do ar?
Isso é um dos mecanismos, mas há todo um trabalho tentando evitar o acontecimento. É bom deixar claro que a desinformação tem um lado dela que, além de caracterizado o ilícito eleitoral que vai ser coibido imediatamente, pode acarretar depois ações judiciais eleitorais visando a cassação do candidato beneficiário, inclusive com sanção de inelegibilidade também, quando for demonstrada uma gravidade dessa conduta a contaminar o processo eleitoral, a lisura e a legitimidade do pleito. Dependendo da gravidade, isso vai caracterizar um abuso de poder econômico com viés na prática do uso indevido de meio de comunicação social. Também existe um crime previsto na lei das eleições que é a contratação direta ou indireta de um grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato ou de partido. isso caracteriza crime, punível com detenção de dois a quatro anos. Então se alguém monta uma equipe de pessoas para, no âmbito das redes sociais, ficar emitindo mensagens e comentários visando denegrir a imagem de candidato ou de partido político, isso constitui um crime e essas pessoas que participam também estão sujeitas a uma pena um pouco menos grave. Além disso, ao final do processo eleitoral, a depender da gravidade, isso pode ensejar ações de investigação judicial de conduta vedada visando à cassação do respectivo mandato.