Por Moreira Serra Júnior, advogado
Decisão histórica contra reajustes por faixa etária em planos de saúde reacende o debate sobre a
dignidade de grupos vulneráveis e o papel do Supremo na defesa dos direitos do consumidor.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em julgamento com repercussão geral, que os
planos de saúde não podem aplicar reajustes de mensalidade com base na mudança de
faixa etária após o beneficiário completar 60 anos.
A decisão representa uma vitória
expressiva para a população idosa e consolida o entendimento de que a idade não pode
ser tratada como um fator de exclusão financeira. É um passo marcante na construção de
uma jurisprudência mais humana e protetiva.
O Tribunal reconheceu que o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) é norma de ordem
pública, com aplicação imediata, ainda que os contratos tenham sido celebrados antes de
sua vigência.
O julgamento pôs fim a décadas de insegurança jurídica e reafirmou o
compromisso do Judiciário com a preservação da dignidade da pessoa humana.
Ao
proteger o idoso, o STF envia uma mensagem firme às operadoras: o lucro não pode se
sobrepor à vida.
Mas a luta pela inclusão e pela justiça não termina aqui. O mesmo raciocínio que sustenta
a proteção aos idosos precisa alcançar outras categorias de cidadãos que enfrentam,
diariamente, discriminação e obstáculos nas relações de consumo. Crianças com
autismo, pessoas com deficiência e portadores de doenças raras continuam sendo
vítimas de práticas abusivas, negativas de cobertura e reajustes velados. Esses grupos,
igualmente vulneráveis, merecem o mesmo olhar sensível e protetivo.
A decisão do Supremo tem potencial de inspirar uma revisão estrutural das práticas da
saúde suplementar. É necessário reconhecer que a saúde é direito fundamental e que as
operadoras exercem função social relevante, sujeita à responsabilidade pública e ética.
E ao se debruçar sobre os contratos de trato sucessivo, a Corte reafirma que o
envelhecimento — assim como a deficiência e a infância — não pode ser critério de
segregação.
O desafio agora é ampliar o alcance dessa compreensão. O Estatuto da Pessoa com
Deficiência e o Estatuto da Criança e do Adolescente têm o mesmo valor normativo e
merecem igual efetividade. Ambos proíbem qualquer forma de discriminação por condição
física, mental ou etária. A lógica que ampara o idoso deve, portanto, ser aplicada de forma
coerente e inclusiva, para que a proteção jurídica alcance todos os que mais precisam.
As operadoras de planos de saúde, infelizmente, vêm tratando a vulnerabilidade como
oportunidade de ganho. Seja pelo aumento das mensalidades de idosos, pela exclusão
de autistas ou pela negação de terapias multidisciplinares a crianças, a prática é a
mesma: transformar a necessidade em produto, e o sofrimento em planilha. É papel do
Supremo impedir que o mercado de saúde continue ignorando a função social da
medicina e o dever de solidariedade previsto na Constituição.
Ao corrigir uma injustiça histórica contra os idosos, o STF abre caminho para uma nova
etapa de amadurecimento institucional.
O próximo passo deve ser consolidar uma
jurisprudência que enxergue o ser humano em todas as suas fases e condições. A
dignidade não pode ser fracionada. O direito à saúde deve ser pleno, contínuo e universal
— sem exceções baseadas em idade, deficiência ou diagnóstico.
O Brasil envelhece, mas também cresce o número de famílias que convivem com o
autismo e com deficiências múltiplas. Esses brasileiros não pedem privilégios, pedem
respeito. O Supremo Tribunal Federal deu um passo importante ao proteger os idosos.
Agora, deve seguir adiante, garantindo que nenhuma vida seja medida pelo custo que
representa. Justiça, afinal, é quando o Estado decide ver o ser humano por inteiro.