Sabemos que não existem jornadas banais em tempos de tragédia.
Neste início de semana, nem parece que, há apenas dez dias, em 22 de março, foi possível obter uma dupla vitória no STF com decisões, mesmo em caráter provisório, a favor de Lula.
Também parece difícil acreditar que, mesmo ameaçada por manifestações fascistas que incluíram disparos de arma de fogo, a caravana de Lula tenha sido capaz de festejar um final vitorioso em Curitiba, ao lado de Guilherme Boulos e Manuela D´Ávila, depois de uma selva de adversidades na qual até sua suspensão chegou a ser sugerida.
O fato é que um fato especialmente grave deve ser encarado: dentro de 48 horas, o Brasil pode ter se transformado num país irreconhecível quando comparado com a nação que temos hoje e que vem sendo construída desde a democratização.
A reunião plenária que o STF realiza na quarta-feira, na qual irá julgar o mérito do pedido de habeas corpus de Lula, será um evento decisivo em nosso futuro.
Caso o pedido da defesa seja acolhido, Lula terá sua liberdade assegurada como qualquer cidadão. Não terá, ainda, a garantia de disputar a eleição presidencial, onde precisa do aval TSE cujo presidente, Luiz Fux, já declarou, em alto, bom som — e fora dos autos — que ele é “irregistrável”.
Mas estará livre, até que sua sentença transite em julgado. Num país que atravessa um cotidiano de incertezas e riscos permanentes, será um momento de alívio.
Caso Lula seja vencido, a história do país entra num novo capítulo, no qual o maior líder popular do país, candidato favorito à presidência da República, será encaminhando para para a prisão, para cumprir uma pena inicial de 12 anos e um mês, correndo o risco de enfrentar outras condenações já a caminho. O cumprimento das sentença não é automático. A prisão precisa ser decretada pela autoridade responsável, o juiz de primeira instância Sérgio Moro.
Consultados por este blogueiro, quatro advogados de peso e responsabilidade não têm dúvidas de que, na hipótese de uma derrota do habeas corpus, Lula começará a cumprir sua pena imediatamente.
Na última vez em que ouvi Lula falar sobre a possibilidade de ser preso, ele se recusou a fazer qualquer comentário.
“Não quero banalizar a questão”, disse. Lula está certo.
Vivemos num país que está banalizando o mal — fenômeno destrinchado de forma magistral pelos estudos de Hanna Arendt sobre o nazismo e o fascismo. Quando situações atrozes e inaceitáveis se tornam rotina, passamos a viver numa sociedade na qual atos injustos e cruéis são tratados com naturalidade.
No país de hoje, no qual o limite da banalização do mal é a prisão de Lula, convém reconhecer que suas chances dele conservar a liberdade são teimosamente reais.
Para começar, a consciência de que o país está sendo conduzido a um abismo irremediável tornou-se uma visão já aceita em vários círculos influentes, configurando uma possível prisão como uma iniciativa irresponsável, injustificável e temerária — capaz de gerar uma única dúvida, típica do pensamento aventureiro, sobre o volume reação popular diante de uma iniciativa abertamente desumana.
Por outro lado, ao utilizar o Roda Viva para tentar um vergonhoso movimento de pressão sobre uma ministra vista como indecisa, Moro deixou clara a fraqueza de seus aliados e protetores.
O país necessita de paz, o que não se obtém com ataques de ódio nem juízes em estado de rebelião mas através do respeito à vontade da maioria, a única força que pode impor-se como verdade num país com 210 milhões de almas.
O problema real nós sabemos qual é.
O poder hoje exercido a partir de um impeachment sem crime de responsabilidade reluta em reconhecer os direitos que contrariam sua própria natureza, que é, sempre foi e sempre será uma forma de ditadura, disfarçada ou ostensiva conforme as conveniências, que incluem manipular a própria Constituição ao sabor de interesses próprios.
As forças que mandam no país serviram-se de Temer enquanto ele se mostrou útil para entregar as principais riquezas, da democracia à soberania, passando pelo pré-sal e a legislação trabalhista. Perdeu o encanto quando se viu que não teria forças para entregar a previdência e tornou-se um risco quando sua permanência, como o pior presidente de nossa história, se revelou o grande estímulo à unidade em torno de Lula, o fator que restaurar o governo pelo voto.
Tornou-se urgente providenciar a substituição de Teme, sob o silêncio compulsório das ações do Judiciário, cujo principal efeito é impor o medo às massas — jamais às elites.
A verdadeira esperança de quem trabalha noite de dia para impedir a candidatura Lula consiste em convencer a maioria dos brasileiros de que devem abandonar a esperança de toda restauração democrática e conformar-se com as escolhas oferecidas no patamar onde residem os monstros — mesmo com rosto de bebê — que operam a nova ordem.
Os adversários da democracia sofreram uma derrota no Supremo, em 22 de março, quando Lula garantiu uma liminar que proíbe sua prisão até o julgamento de um pedido de habeas corpus.
Tiveram de curvar-se a uma segunda vitória de Lula, no comício em Curitiba.
Planejam o 4 abril como sua revanche. Mas ainda não venceram.