* Moreira Serra Júnior
ADVOGADO
Introdução
As campanhas de desacreditação e ridicularização, que antes eram associadas ao espaço público e social, também encontram eco nas relações mais íntimas, especialmente no núcleo familiar. Casais e parentes próximos, muitas vezes, reproduzem entre si a mesma lógica de hostilidade que permeia o mundo externo. O lar, que deveria ser um ambiente de acolhimento e respeito mútuo, transforma-se em espaço de acusações recíprocas, afetando não apenas a relação conjugal, mas todo o coletivo familiar. Do ponto de vista jurídico, esse fenômeno merece ser analisado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e do dever de mútua assistência (art. 1.566, III, do Código Civil), pilares que fundamentam a proteção da família no ordenamento brasileiro.
A lógica da acusação conjugal
No âmbito conjugal, divergências naturais — sobre projetos de vida, expectativas, responsabilidades ou valores — muitas vezes são transformadas em instrumentos de ataque. O que poderia ser diálogo se converte em disputa, e as diferenças passam a ser vistas como falhas. Esse comportamento fere diretamente o dever de respeito e consideração recíproca previsto no art. 1.566 do Código Civil, que estabelece como obrigação dos cônjuges a mútua assistência, a lealdade e o respeito.
A ridicularização constante não apenas fragiliza o5 vínculo conjugal, mas configura violação da dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea do ordenamento jurídico brasileiro (art. 1º, III, da CF). Assim, quando um cônjuge expõe o outro a constrangimentos, acusações infundadas ou desqualificações pessoais, está ofendendo não só o pacto íntimo da vida a dois, mas também um valor jurídico fundamental reconhecido pelo Estado.
A influência do ambiente externo
A contaminação das relações familiares pelo ambiente externo é um fenômeno cada vez mais recorrente. Pressões profissionais, sociais, políticas e até digitais refletem-se no lar, levando casais e famílias a reproduzirem dentro de casa a mesma lógica de ataques e de descrédito que experimentam fora dela. Esse processo desvirtua o papel da família, que segundo o art. 226 da Constituição Federal é a “base da sociedade”, devendo receber especial proteção do Estado.
Quando o ambiente familiar é corroído pela ridicularização e pela desqualificação mútua, perde-se a função essencial da família: ser espaço de afeto, cuidado e desenvolvimento humano.
As consequências para o coletivo familiar
As campanhas de acusação entre cônjuges repercutem em todo o núcleo familiar. Os filhos, particularmente, sofrem os impactos psicológicos ao presenciarem um ambiente de hostilidade, o que pode gerar reflexos no seu desenvolvimento emocional e social. A jurisprudência brasileira reconhece que o descumprimento dos deveres conjugais pode, em determinados casos, configurar violência psicológica (art. 7º, II, da Lei Maria da Penha) ou até ensejar responsabilidade civil por danos morais, quando comprovado o abalo à dignidade da pessoa.
Assim, não se trata apenas de uma questão privada, mas de um problema jurídico e social que afeta a estabilidade da família como instituição e a própria coesão comunitária.
Reconstruindo vínculos pela valorização do diferente
A superação desse ciclo exige tanto um esforço humano quanto um compromisso jurídico. No plano humano, é fundamental resgatar o respeito, o carinho e a empatia como bases da convivência. No plano jurídico, deve-se reafirmar que os deveres de lealdade, respeito e assistência previstos no Código Civil não são meras formalidades, mas garantias concretas que protegem a dignidade dos indivíduos dentro da família.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado entendimento de que a dignidade deve orientar todas as relações familiares, reconhecendo inclusive a possibilidade de reparação civil em casos de ofensas graves entre cônjuges ou familiares, quando violado o núcleo essencial dos direitos da personalidade.
Conclusão
As campanhas de desacreditação e ridicularização dentro da família são reflexo de uma sociedade marcada pelo medo do diferente e pelo hábito de transformar divergências em ataques pessoais. No entanto, à luz do Direito, tais práticas não podem ser naturalizadas: elas ferem a Constituição Federal, o Código Civil e os princípios mais caros à vida em comunidade.
O futuro da família depende da capacidade de resgatar o sentido de mútua assistência, respeito e amor. Reconhecer o valor das diferenças, proteger a dignidade e reafirmar a função afetiva do lar não são apenas escolhas morais, mas também exigências jurídicas para que a família continue a cumprir seu papel de base da sociedade.