Os áudios revelados das conversas entre o breve ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, e o presidente Jair Bolsonaro permitem um olhar sobre o estado real do caos político do governo, de suas disputas, conspirações e confusões.
De todas as informações surpreendentes, apesar de a mídia corporativa ter se fixado na, desconcertadora para ela, constatação de que Bolsonaro mente, a mais relevante foi a menção, feita por Bebbiano a Bolsonaro numa das conversas, da existência de um suposto “encontro nas quartas-feiras”, com a participação “dos generais” – e provavelmente do próprio Bolsonaro. E, mais importante, nesses encontros, os generais, deduz-se do relato de Bebianno, teriam poder de veto sobre quem participa ou não daquela instância, poder de veto inclusive acima do próprio “capitão” presidente da República.
No áudio, que gravou e vazou à revista Veja, Bebianno diz o seguinte a Bolsonaro:
“Minha relação é maravilhosa com todos os generais. O senhor se lembra que, no início, eu não podia participar daquelas reuniões de quarta-feiras, porque os generais teriam restrições contra mim. Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito, sabe, capitão?”
Vale notar que a menção às patentes, “generais” e “capitão”, em sequência, deixa de ser meramente casual e aleatória. O fato é que Bebianno, após ter passado por um período de escrutínio pelos “generais”, tornou-se palatável a eles. Agora, num momento de crise, em aparente desespero de causa antes do desfecho de sua demissão (quem já foi ministro pode aquilatar isso), Bebianno, diante do presidente da República, apela ao poder maior , o centro do poder, na verdade: os “generais”.
O país precisa acordar, prestar atenção e reagir ao que está em jogo. Estamos diante de uma república dos generais, no que aparenta ser na verdade um poder dentro do poder.
Neste poder oculto aos brasileiros comuns quem manda de fato, quem dita as ordens não é quem recebeu o mandato do eleitor, mas um grupo não revelado de generais de que se suspeita, mas não se sabe de verdade. Pode não se ter certeza de quem nem mesmo quem sejam os generais, mas sabe-se que obviamente são do Exército. Numa situação normal não deveriam ter poder legal de veto e mais importante: não foram eleitos, ou seja, não receberam mandato para exercer todos esse poder.
Que Bebianno use a simpatia dos generais como fonte de legitimidade para sua alegação de lealdade a Bolsonaro junto ao próprio presidente (se é que ainda se pode chamá-lo assim) é também signficativo. É como se dissesse: “o senhor capitão e seus filhos podem duvidar de mim, mas pensem bem pois o poder maior, os generais, gostam de mim e me aceitam”. A tanto e tão rapidamente chegaram os descaminhos da República. Nem dois meses.
Em outros momentos, as conversas vazadas por Bebianno mostram um presidente que ainda não parece ter se conformado inteiramente ao papel de figura tutelada e decorativa. Bolsonaro ainda estrebucha e corcoveia enquanto não seca o chumbo quente do molde que os generais, o capital e a mídia derrubam sobre ele.
O capitão dá ordens, revoga movimentos, lembra o que devia ser óbvio, argui autoridade, apela ao céu, encena diatribes impotentes num contexto que não controla mais, se é que chegou a controlar anteriormente. Diz Bolsonaro:
“Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro… trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou – antes, durante, agora e após a campanha – para dentro de casa. Me desculpa. Como presidente da República: cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto final. Um abraço aí.”
Da mesma forma, contraditória, como quem ainda manda, Bolsonaro inconformado dirige-se a Bebianno em outro áudio: “Gustavo, uma pergunta: ‘Jair Bolsonaro decidiu enviar para a Amazônia’? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa ida para a Amazônia? Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia? Um abraço aí, Gustavo, até mais.”
O presidente tenta controlar o processo, aparentemente, depois desse áudio. Conversa com outros dois ministros, Salles e Damares, e os dois parecem ter se mostrado surpresos e incomodados com a mencionada viagem. Bolsonaro, por sua vez, decide cancelar a viagem, ou melhor, a “missão”:
“Ô, Bebianno. Essa missão não vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles. Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está entendendo como missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora: eu não quero que vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se realizará, tá OK? Um abraço aí, Gustavo”
O foco agora está nos generais, que a mídia em sua “missão” neogolpista insiste em vender como moderados e razoáveis quando na verdade são o instrumento mais confiável e “sensato” no momento para impor o programa do austericídio, ou seja, contra os pobres, os que trabalham e os que têm fome. Hoje, aliás, é quarta-feira.