Das várias coisas estranhas que estamos assistindo neste terminal momento tragicômico do Brasil, a candidatura de Bolsonaro, sem dúvida, é a maior delas. Uma candidatura sem projeto, sem campanha, sem partido (o PSL é uma ‘bactéria’ partidária), sem discurso e, evidentemente, sem sentido.
O sentido a ela, quem dá somos nós, do campo progressista. Nós lhe emprestamos um sentido porque somos dotados de humanidade e a característica mais eloquente da espécie humana é dotar as coisas do mundo de sentido, não importando muito se o ‘objeto’ observado é denso, rarefeito ou nulo.
O sentido é como o tempo: é relativo. Os estudos da linguagem tiveram seu ‘Albert Einstein’ para nos revelar a relatividade do discurso. Eles são dois: Jacques Lacan e Michel Pêcheux.
Aliás, é preciso fazer um desagravo a Albert Einstein, que emergiu nomeando o célebre hospital paulistano na folclórica cena eleitoral brasileira. O físico não tem nada a ver com essa ‘bolha’ de proteção que se criou em torno da figura do único candidato que pode impedir o povo brasileiro de fazer valer a sua soberania democrática.
Um candidato que antecipa que não sabe perder, que não sabe debater, que não sabe liderar, que não sabe lidar com a democracia, não pode ser levado a sério. Por que um brasileiro trabalhador iria querer uma aberração dessas para figurar no cargo máximo do país?
Resposta: para negar a política e negar a si mesmo. A negação de si é uma das pulsões mais poderosas na economia psíquica das pessoas, dos sujeitos, dos eleitores. Ao se negar, o sujeito se ‘afirma’ em outro lugar desconhecido – e, por isso mesmo, atrativo.
A candidatura de Bolsonaro é uma caixa-preta. Ela é um vazio, mas um vazio coletivo, com uma série de apelos negativos, de contrassentidos, de aniquilações simbólicas várias.
Talvez, esse seja o sentido residual possível para esta candidatura fascista, medonha e precária: uma parcela da sociedade brasileira quer negar a si mesma para, quiçá, reinventar-se. Quer ‘zerar’ sua relação com a coletividade que, a rigor, nunca existiu.
O antipetismo – a tradução correta desta candidatura infame – sempre representou a negação da política e do Outro. Como, após o golpe, os processos de auto representação e auto identificação se esgotaram, o sujeito desgarrado da história e dos sentidos é impelido a aprofundar sua desconexão com o mundo social para lidar com a sua própria inexistência política.
É uma sucessão infinita de negações e de baixa autoestima congênita, cultural, herdeira direta do sufocamento intelectual promovido pela elite brasileira – a mais atrasada e subdesenvolvida do mundo – que também atende pelo nome de Rede Globo.
Não há, portanto, porque estranhar o sentido emprestado a uma candidatura tão exótica: é da nossa condição de seres humanos dar sentido a tudo, até àquilo que não tem.
Na esteira da aberração que é a candidatura Bolsonaro, temos figuras secundárias igualmente ‘freak’, orbitando em seu campo gravitacional de quinta categoria. O general Mourão é um desses satélites artificiais. Mas Paulo Guedes, também. Juntos, eles compõem o ‘triplex do horror’.
Sobre Guedes, vale desperdiçar algumas palavras.
Economista obscuro, sem produção acadêmica, pleno de pendores fascistoides como seu patrocinador ‘mercado’, Paulo Guedes deu um tempero especial à indigência bolsonariana.
Com seu ethos igualmente prepotente e violento como sói acontecer com economistas ligados ao neoliberalismo, ele mostrou a que veio numa entrevista recente à revista Piaui. Ele é a ‘criança’ gestada na barriga de aluguel do ex-capitão deformado – sic. Guedes é – seria – o virtual presidente do país em caso de vitória do fascismo.
Como diria aquele ex-assessor de Bill Clinton, James Carville, uma das personas mais citadas do mundo do comentário econômico e político: “é a economia, estúpido!”. A frase cai como uma ‘luva’ ao senhor Bolsonaro, porque se a economia é o Paulo Guedes, o ‘estúpido’ é o… Deixa pra lá.
Com a retenção estratégica de um candidato fadado a derreter – que só não derreteu ainda porque está sendo isolado do processo eleitoral pela Rede Globo –, o ato contínuo mais óbvio é aquele em que as personagens secundárias (ou pseudo secundárias) tomam a linha de frente das declarações ‘oficiais’.
Triste constatação. Paulo Guedes começou a falar e tudo se embicou para o precipício. O precipício do velho, do precário, do mal formulado, do improviso, do tosco, da pistolagem. Pérsio Arida – a despeito de minha não admiração por ele – enunciou uma palavra que realmente define Paulo Guedes: ‘mitômano’ (muitos bolsonaristas pensaram até ser uma palavra derivada de ‘mito’, no que eu tenho que dizer: é mesmo).
Mentira generalizada, a candidatura ‘coisada’ seguiu e segue como a bala platinada da emissora de TV que tem pânico de povo e de voto. Tudo seria cômico se não fosse trágico: dá vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo.
Depois da piracema de besteiras aplicadas proferidas pelo senhor mitômano, lacaio do ‘mito’, Guedes foi desautorizado com a classe bolsonariana de sempre: “manda ele calar a boca”, teria dito o delicado e convalescente candidato, prostrado na cama do Albert Einstein (pobre Albert Einstein, que não tem nada com isso).
Ópera bufa é pouco. Perto de Paulo Guedes e Bolsonaro, Falstaff e Bardolfo são pura discrição e elegância – falo da ópera Falstaff, de Verdi (1893).
Curioso ainda é a fuga do senhor mitômano. Sem querer aludir às fugas de Johann Sebastian Bach, Paulo Guedes fugiu como uma melodia terminal, acuado e cabisbaixo – em trote acelerado.
Cancelou todos os seus compromissos de campanha. Calou-se. Aderiu à lógica da Rede Globo da ‘mordaça’ (favor não esquecer que a Rede Globo censura todos os seus jornalistas). Como lacaio adestrado e obediente, o economitômano escafedeu-se no submundo que lhe é peculiar.
Um fujão.
Lembra a cartilha pedagógica de alfabetização de adultos ‘O Coelhinho Fujão’. Paulo Guedes é ‘O economistinha fujão’, título fácil para uma possível cartilha de alfabetização de fascistas.
Se Bolsonaro fez – literalmente – da tripas coração para se esconder do debate eleitoral, seu econofascista também mergulhou na covardia típica dos políticos totalitários: entrou na toca deserta da própria insignificância.
Eu ainda me pergunto: como uma candidatura bisonha dessas ainda pode alçar 20% da população em um país continental? E respondo: pode, porque ela está ‘escondida’.
A campanha começou para todos, menos para Bolsonaro.
Quando ela começar para essas personagens brancas e nulas, ele esvazia como um pixuleco esfaqueado.