A taxa de imprevisibilidade de Bolsonaro é altíssima, mas o caminho de seu comportamento político, aparentemente errático, é previsível, sempre na direção do totalitarismo fascista, que vai convertendo a oposição ou quem pensa diferente em inimigos a serem destruídos. A nova etapa da investigação do MP-RJ, que quebra o sigilo bancário e fiscal de 86 pessoas do esquema Queiroz-Flávio Bolsonaro e que pode atingir a primeira-dama e o próprio Bolsonaro, mostrou para o presidente que as tenazes do sistema golpista, que o apoiou nas eleições, estão se fechando para derrubá-lo.
O sistema, que tem no mercado o seu carro chefe e na Globo e grande imprensa os fabricantes da opinião pública, perdeu a esperança de controlar o cão raivoso da extrema-direita que elegeu presidente. De maneira previsível, o sistema trabalha agora para substituir Bolsonaro pelo vice Mourão, e já o pinta como “moderado e competente”. O que lhe interessa é, com Mourão presidente, construir uma governabilidade que garanta a realização da política econômica do mercado representada por Guedes e, ao mesmo tempo, garantir a contenção da esquerda e a manutenção de Lula preso.
Nesse último ponto, dependendo da força do povo nas ruas, setores mais pragmáticos da direita podem até propor um acordo com a esquerda para soltar Lula em troca de Mourão presidente até 2022, como se fez no passado com a transição “democrática” com Sarney, que tinha sido o representante civil da ditadura.
Voltando ao comportamento também previsível de Bolsonaro, ele reage violentamente contra o cerco do sistema e usa a gigantesca manifestação nacional dos estudantes e professores como contraponto para justificar a sua ofensiva totalitária via rede esgoto, que mantém ativa no Whatsapp e Twitter, desde a campanha eleitoral. A divulgação pelo seu Twitter do texto “anônimo” (que culpa o sistema por não poder governar) e a circulação de falsas ameaças de morte contra Bolsonaro e ministros fazem parte desse teatro do absurdo que visa unicamente o confronto aberto no dia 26 de maio.
Com os dois campos alinhados (o progressista e o da extrema-direita), Bolsonaro vai tentar intimidar o da centro-direita (que dele se afastou), neutralizar a cúpula militar (como já fez no episódio Olavo de Carvalho) e mobilizar as suas hostes bárbaras para submeter o Congresso e o STF. Sentindo-se poderoso por causa do apadrinhamento de Trump, Bolsonaro parte para o confronto aberto, mas muito provavelmente não conseguirá reunir a força necessária para isso no próximo domingo. O casco de seu navio de guerra contra os “ladrões” tem um vazamento que é o próprio filho sendo investigado por formação de quadrilha.
Nesse caso, de forma também previsível, ele poderá engatilhar o plano B da renúncia, em que posa de vítima do sistema que não o deixa governar. Assim, pensa preservar sua base fanática como trunfo político no futuro. Bolsonaro sabe que não tem forças no Congresso para derrotar o impeachment contra ele e não pretende sair escorraçado da presidência como ocorreu com Collor.
Quanto à esquerda, ainda dependente desse tiroteio dos de cima, terá que fortalecer a sua unidade e a sua ligação com as ruas para agir como força independente. No momento seria um equívoco ver no #15M a manifestação exclusiva das esquerdas. Os estudantes e professores foram mobilizados principalmente pelos cortes de 30% na educação e pelas ofensas de Bolsonaro que os chamou de “idiotas úteis”. Os partidos de esquerda atuam nessa mesma panela de pressão social, mas buscando direcioná-la para a saída popular da crise em que o “Fora Bolsonaro” se completa com a convocação de eleições diretas com “Lula Livre”.
Entretanto, a esquerda ainda não fechou essa equação política abominada pela Globo e detestada pela direita que se opõe a Bolsonaro. Porém as contradições da conjuntura estão criando oportunidades para podermos realizá-la e o nosso momento pode ser a Greve Geral de 14 de junho, passando pela nova manifestação dos estudantes do #30M.