Integrantes do Ministério Público Federal têm manifestado insatisfação com o procurador-geral da República, Augusto Aras, pela proximidade com Jair Bolsonaro. O chefe da PGR terá a sua força testada justamente em um contexto em que há disputas de poder dentro do MPF, segundo a BBC.
O Ministério Público renovará nesta segunda-feira (8) os integrantes das sete Câmaras de Coordenação e Revisão (CCRs), colegiados temáticos que integram a estrutura do órgão. No final do mês os procuradores escolherão 4 dos 10 integrantes do Conselho Superior, nos dias 23 e 30 de junho. O CSMPF é o órgão máximo de decisão do Ministério Público Federal.
Procuradores divulgaram na semana passada um manifesto com 655 assinaturas pedindo ao Congresso que inclua na Constituição o mecanismo da lista tríplice na escolha do PGR – Aras foi indicado ao cargo por Bolsonaro sem estar na lista tríplice do MP. O número superior a 650 assinaturas representa mais da metade dos cerca de 1.150 membros do MP em atividade no país.
Sobre a proximidade, vale ressaltar que, no final de maio, por exemplo, Bolsonaro acompanhava por videoconferência uma solenidade presidida por Aras na sede da PGR e depois foi encontrar o procurador-geral sem aviso prévio. Bolsonaro atravessou a Esplanada e passou cerca de 15 minutos com Aras. No mesmo dia, Bolsonaro lançou nota dizendo “acreditar” no arquivamento de um inquérito aberto para investigar as suspeitas de interferência dele na Polícia Federal.
“No âmbito macro, a gente tem começado a passar vergonha, né? Por que ele vai nas posses, ele senta como se fosse da equipe, vai fazer reunião (com integrantes do governo). E isso não é normal, do jeito que ele faz. Ele é vendido pelo Bolsonaro como alguém da equipe”, disse um procurador em reserva.
Os organizadores do manifesto negaram que o objetivo seja atingir Aras, mas admitiram que o movimento pode ter gerado incômodo.
“Ninguém questiona a legitimidade de Aras como PGR. Foi escolhido dentro do trâmite legal. Mas, para ele, tratar da lista tríplice é como falar de corda em casa de enforcado”, afirmou. “Resumir a questão à pessoa de Aras seria apequenar a pauta. A lista tríplice é algo que existe desde 2003”, acrescentou
Aras
Aras negou ser próximo do presidente da República. “Na verdade, não sou amigo do presidente. Não temos relações de amizade. Temos relações de respeito”, disse ele numa entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, na semana passada.
Ao comentar o manifesto, em outra ocasião, o procurador disse que o documento, de apenas dois parágrafos, era genérico. “Nesses termos, até eu assinaria esse abaixo-assinado”, disse. “É um tema que nunca foi debatido no Congresso. Todavia, eventual propositura de uma PEC (uma proposta de emenda à Constituição) poderia ensejar reformas de toda sorte na estrutura do Ministério Público, atingindo direitos e prerrogativas constitucionais”.
Lava Jato
Procuradores da Operação Lava Jato, que tirou o ex-presidente Lula da eleição de 2018 para Jair Bolsonaro chegar ao poder, também foram signatários do manifesto pró-lista tríplice. Assinaram o texto, por exemplo, Deltan Dallagnol; Januário Paludo; Roberson Pozzobon, Douglas Fischer, Laura Tessler e Isabel Groba, entre outros. Há também procuradores que atuam ou já atuaram na Lava Jato em outros Estados.
No caso da Lava Jato paulista, assinam o manifesto as procuradoras Janice Ascari e Thaméa Danelon.
Um dos organizadores do manifesto explica à BBC que a iniciativa surgiu com procuradores ligados ao tema dos direitos humanos. “O MPF, ao contrário do que algumas pessoas pensam, ele é bem heterogêneo. Ele tem de tudo (…). Tem gente de todos os campos, da direita e da esquerda”, diz ele, sob anonimato.
“E aí, dentro do grupo (informal) de colegas que atuam em Direitos Humanos, a gente começou a pensar em levantar essa questão da independência do MPF. Independente de discutir o Aras, porque não é algo simplesmente direcionado ao Aras, mas reforçar a questão da independência do MP”, complementou.