“Numa decisão que surpreendeu aliados que faziam fé na subserviência de Bolsonaro e Ernesto Araújo a Washington, governo brasileiro não consegue apoio de Trump na disputa pela próxima vaga na OCDE, que reune os países mais ricos do mundo,” escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia.
Com a experiência de quem passou oito anos entre o Fundo Monetário Internacional e o banco de desenvolvimento criado pelos BRICS, o bloco economico-diplomático formado por Brasil, Russia, India, China e Africa do Sul, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. deixou um registro sob medida para se prever o fiasco produzido pela diplomacia subserviente de Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo , que nos últimos meses alimentou a ilusão de que o país estava com ingresso garantido na OCDE, a organização que desde a Guerra Fria reune as economias dos país alinhados com Washington.
“Os americanos mostram-se sempre complicados,” escreve ele no recém lançado “O Brasil não cabe no quintal de ninguém,”livro que retrata sua experiência internacional. “Comportam-se, em geral, de maneira prepotente, consideram-se líderes natos e hereditários. Não sabem trabalhar em aliança. Coisa curiosa: com os americanos, é difícil cooperar mesmo quando há concordância de posições. Passei por isso mais de uma vez nos oito anos em que tive contato regulares com as delegações dos EUA no G20 e a diretoria desse país nos FMI”.
No mesmo trecho, o economista anuncia “um aviso aos navegantes: os americanos desprezam visceralmente comportamentos subservientes. Quantas vezes testemunhei a indiferença e, não raro, os maus tratos dispensados a seus satélites, especialmente latino-americanos”.
São palavras sob medida para se compreender o ambiente de decepção gerado pela revelação de que a Casa Branca acabara de comunicar, reservadamente, seu esforço para emplacar dois parceiros prioritários a ingressar na OCDE — a Argentina e a Romenia.
A decepção e mal-estar que a notícia produziu entre os aliados de Bolsonaro levou a Embaixada norte-americana, em Brasília, a divulgar uma nota na qual reafirma seu apoio ao ingresso brasileiro na OCDE — uma declaração de intenções, genérica, sem compromissos maiores nem medidas concretas.
Os aliados de um governo que se tornou o grande saco de pancadas da cena internacional, como se viu na última Conferência da ONU e nos frequentes confrontos com o presidente da França, Emmanuel Macron, que voltou a ganhar pontos junto ao eleitorado de seus francês de ataques disparados contra as tolices do colega brasileiro, reagiram como maridos traidos diante da opção por Buenos Aires. Compreende-se.
Num país onde ideias de altivez e soberania, expressas na obra de Paulo Nogueira Batista Jr, são marginalizadas, a postura subserviente tornou-se marca registrada e já denunciada por diplomatas de várias escolas, como Rubens Ricúpero, de impecáveis credenciais tucanas.
Com Bolsonaro, o Brasil tornou-se o único país do mundo a possuir, no comando de sua diplomacia, um personagem como Ernesto Araújo, capaz de escrever uma artigo ( “Trump e o Ocidente”), num tom descaradamente bajulatório, como nunca se viu entre nações soberanas.
Em palavras que ajudaram a pavimentar sua escolha para o ministério sem jamais ter ocupado numa única Embaixada, Araujo define a atuação internacional de Donald Trump como um esforço para “submeter o Ocidente a uma terapia de recuperação da personalidade perdida ” na qual procura “o reestabelecimento do contato com o próprio inconsciente”. Alguns parágrafos adiante, sempre no tom de dependência, o futuro chanceler refere-se a “um Deus por quem os ocidentais anseiam ou deveriam ansiar, o Deus de Trump”.
Com este espírito Bolsonaro e Araújo viajaram para os Estados Unidos em março e, conforme relatado num comunicado oficial da visita, assinado pelos dois governos, ali conversaram sobre o ingresso do país na OCDE. “O Presidente Trump manifestou seu apoio para que o Brasil inicie o processo de acessão com vistas a tornar-se membro pleno da OCDE”, diz o texto.
Referindo-se ao presidente brasileiro com palavras especialmente gentis, atribuindo-lhe um “status de líder global”, o comunicado deixa registrado que Bolsonaro já começava a fazer concessões diplomáticas nessa direção, antes mesmo do país receber qualquer benefício concreto. Assim, o cidadão com “status de líder global” concordou que “começará a abrir mão do tratamento especial e diferenciado nas negociações da Organização Mundial do Comércio, em linha com a proposta dos Estados Unidos.” Em português claro: num universo de guerra comercial no qual todo tratamento preferencial é uma vantagem da qual ninguém abre mão sem contrapartidas compensadoras, Bolsonaro deixou claro que estava já começaria a fazer concessões — antes de receber a mercadoria, postura sob medida para ser atingido por diplomatas de Washington, que “desprezam visceralmente comportamentos subservientes”.
Há uma grande ironia nesta história, contudo. O saldo é bom para nosso país. Do ponto de vista das necessidades do país, o Brasil não tem o menor interesse econômico nem diplomático de ingressar na OCDE.
Criada sob liderança dos Estados Unidos nos tempos da Guerra Fria, a instituição é um braço utilizado por Washington e demais países de PIB avantajado para monitorar o crescimento das nações médias, impondo normas e restrições de acordo com os interesses das economias centrais. Não por acaso, até aqui o único governo brasileiro a demonstrar interesse efetivo para ingressar na OCDE foi Michel Temer, que chegou a instalar um embaixador em Paris, sede da organização, para tentar uma vaga de qualquer maneira.
Basta consultar o mapa do mundo para reparar que nações como China, Rússia e Índia estão fora da OCDE e jamais viram qualquer vantagem real em bater a sua porta. Foram estes países que, ao lado do Brasil, constituíram os Brics, um polo alternativo e mais adequado a seu grau de desenvolvimento e características socioeconômicas.
Cedo ou tarde, quando for possível livrar-se de um governo ruinoso como Bolsonaro-Paulo Guedes, é nesta direção que o Brasil deve caminhar.
Brasil247