Não é inacreditável, apenas, pela qualidade dos profissionais que o editam, mas é surpreendente que seja O Globo a mais bem traduzir o significado e os personagens da tragicomédia vivida ontem pelo Brasil.
Aliás, ontem, anteontem, hoje e amanhã, porque deste escorregar na lama não há sinais de que se vá sair.
Afastamos uma presidente eleita, que não era ré de crime algum, mas os poderes da República sinalizaram que, com um bom acordo, não se afasta um presidente do Senado que é réu (e por peculato!), desde que ele entregue o alfange sobre a Saúde, a Educação, a Assistência Social e, até, o direito de aposentadoria dos trabalhadores.
Para salvá-lo, articulam-se os poderes da República e três presidentes, todos desprezados pelo povo brasileiro, todos incapazes de se apresentarem ao voto dos cidadãos: Michel Temer, Fernando Henrique e José Sarney. Nem o Museu Britânico tem tão expressiva coleção de múmias, estas políticas e muito mais aterradoras.
A decisão de Marco Aurélio foi imprudente e desnecessária, a uma semana da saída, na prática, do Presidente do Senado? Foi, é evidente. Mas foi apenas o corolário da manipulação que se fez com prazo e pautas judiciais, que se aceleram ou esticam-se, do já às calendas, de acordo com a conveniência política.
Lei e Justiça viraram instrumentos de disputas diretas de poder.
Toda a história das tais “medidas contra a corrupção” – que falta alguma fizeram para que a Lava Jato processasse, encarcerasse, condenasse e negociasse com evidente coerção os acordos de “deduragem”- nasceu da exploração populista dos rapazes de Curitiba, às quais o Procurador Rodrigo Janot – feito ontem de palhaço – deixou correr e, a certa altura assumiu para gozar das delícias de ser “a esperança do Brasil”.
A não ser o Eremildo idiota de Elio Gáspari, alguém pode crer que o julgamento da aceitação do processo por peculato contra Renan Calheiros, depois de arrastar-se por nove preguiçosos anos, foi pautado como reação ao projeto (ao morto, num “bom negócio”) de abuso de autoridade para juízes e promotores e pelo velório das medidas contra os super-salários do Judiciário?
As instituições viraram um balcão de negócios de varejo, onde a única coisa que realmente importa é entregar a mercadoria do arrocho à população.
Falta pouco para que apareça quem sugira que se comam brioches.
Não é preciso recordar a que isso levou.
Os 13 anos de governo de esquerda no Brasil, com todas as suas falhas, jamais nos levou a algo sequer perto desta balbúrdia. Os “bolivarianos-petralhas-comunistas- lulopetistas” e todas as sandices que a escumalha da mídia e da extrema-direita usam sem cerimônia respeitaram e protegeram as instituições, inclusive quando as castas que as dominam se serviram para desestabilizá-los ou persegui-los.
O que ainda nos mantém fora da convulsão social que nitidamente se aproxima é o que se dedicam a destruir, e rapidamente: a herança de 13 anos de inclusão social, a rede de proteção social que custosamente se construiu aos miseráveis deste país.
O golpe avacalhou um país e a ele se chegou avacalhando as instituições em nome da “utilidade” que se lhes deu de serem desestabilizadoras e demolidoras do poder eleito.
As forças do passado, como zumbis, o devoraram e agora preparam-se para devorar àqueles que as tentaram exorcizar com votos.
Não falta quem dê a esta tragédia o physique du rôle para um filme de terror.