Em quem você pode confiar? Para Andrea da Silva, de 35 anos, pastor neopentecostal, amado em Piabetá, Duque de Caxias, com certeza era uma dessas pessoas, afinal era casado há muitos anos com sua irmã, era um ótimo “tio” para suas filhas. Ao menos era o que ela acreditava até dois anos atrás, quando descobriu que as filhas, com 11 e 8 anos passaram anos sofrendo abusos diários do “tio”. Imediatamente, a mãe foi na Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM), no Centro de Duque de Caxias e registrou o caso. Segundo ela, levou consigo ao menos outras três vítimas, mas Andreia afirma que são mais de 10, entre fiéis, vizinhos e parentes seus, incluindo sua sobrinha.
“Eu reparei que minhas filhas começaram a chorar muito, a ficarem retraídas, a não querer proximidade de homens da família, ficarem quietas demais. Elas mudaram completamente. No início eu achava que era porque o pai delas havia morrido na mesma época, achei que era por isso, mas eu reparei que elas iam se retraindo ainda mais e quando eu falava com minha filha mais velha, ela abaixava a cabeça e estalava os dedos, tinha algo muito errado ali”, afirma Andrea.
Segundo ela, junto com o comportamento estranho, aumentaram as visitas do “tio”, sempre que ela não estava presente. “Ele sempre me ligava, praticamente todo dia. Perguntava aonde eu estava e eu dizia, se eu estivesse na rua, ele dizia que tinha ido visitar as meninas para ver se estavam bem. Se eu estivesse em casa, ele nem aparecia lá, por que isso?”
O questionamento de Andrea a fez lembrar de um caso que aconteceu cerca de 10 anos antes, quando sua irmã lhe contou que tinha visto o marido tocando entre as pernas de uma das sobrinhas. Na época, ela conta que chegaram a reunir todas as crianças da família e perguntaram uma a uma se o tio tinha tocado nas partes íntimas delas ou cometido algum ato impróprio, todas disseram que não. “Como ninguém falou nada, aquilo ficou parecendo que foi coisa da cabeça da minha irmã e seguimos com nossas vidas em família. Ele se tornou pastor e eu frequentava a sua igreja. Ele era muito amado por Duque de Caxias toda, os cultos eram lotados e frequentados por muitos jovens e crianças”, relembra. “Depois daquele dia, proibi que deixassem qualquer um entrar em casa sem minha autorização, inclusive o pastor.”
Com aquela lembrança de um possível abuso a vista, Andrea começou a prestar muita atenção as ações de suas filhas. Um dia, estava doente e acamada, ela lembra que tomou um remédio e foi deitar. “Por volta das 13h acordei com ele em cima de mim, fiquei atordoada. Disse que precisava descansar e pedi para ele ir embora, achei que tinha ido, mas às 17h ouvi o barulho do videogame que minha filha mais nova adora e tive um mau pressentimento, quando vi, ele estava no sofá com minhas duas filhas. Pedi pra ele ir embora e as questionei novamente, ele foi. Tirei forças nem sei de onde e perguntei a elas se o pastor tinha tocado nelas. Olhei no fundo de seus olhos e pedi que não me escondessem nada. Elas admitiram”, conta Andreia, aos prantos.
“Pedi detalhes do que houve e ela disse que o tio abusava dela desde que ela tinha 4 anos. Ele abusou da minha filha por sete anos. Ela disse que nunca nos contou por medo. Ele ameaçava estupra-la com mais 20 homens, se contasse, ainda ameaçava me matar, deixando as duas órfãs”, relata a mãe. Segundo ela, o comportamento de suas filhas mudou nos últimos anos porque o “tio” queria mais: “Ele nunca as penetrou, mas de dois anos para cá ele tentava, mas nas vezes que ele forçou, ela disse que não deixou porque doía muito, o que a deixou mais retraída.”
Caso não é o único
Além das duas filhas de Andreia, ela relata que várias outras crianças também foram abusadas. “Descobrimos que minhas sobrinhas foram abusadas, a filha da vizinha, uma amiguinha das minhas filhas e até uma filha de uma amiga minha, isso tudo que a gente saiba, imagina o que não sabemos?”
Pastor teria abusado até do próprio filho?
“Minha filha mais nova contou que o filho do pastor, de 16 anos, tentou penetrá-la, junto com o pai, isso me revoltou muito, ela só tem 8 anos. Ele abusou até do irmão de 3 anos, a mãe o expulsou de casa quando descobriu”.
Justiça tarda
“O que mais me entristece é que aonde eu moro, por causa da lentidão da polícia, eu sou vista como mentirosa, já faz quase dois anos que denunciamos. Minhas filhas todo dia me perguntam quando ele vai ser preso e se ele não estaria abusando de outras crianças como elas, minha dor como mãe é não poder responder quando e se elas terão justiça.”
Segundo a Assessoria de Comunicação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, de acordo com a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Duque de Caxias, o autor foi identificado. Testemunhas foram ouvidas e as investigações estão em andamento. A delegacia aguarda ainda o relatório psicológico da vítima e outras diligências que estão sendo realizadas.