Estadão – O futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que o novo governo vai mudar parâmetros de rateio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para estados. Entre os novos critérios o futuro governo pretendem repassar mais recursos para estados que incentivem o desarmamento da população e utilizem câmeras nos uniformes dos policiais.
Em entrevista ao Estadão, o senador eleito pelo Maranhão disse esperar uma relação harmônica com o Poder Judiciário que, segundo ele, nos últimos, “salvou a democracia do Brasil”. Flávio Dino também detalhou a criação de uma estrutura dentro do ministério para trabalhar a troca de prisões por penas alternativas. Para o futuro chefe da pasta, o Estado erra e gasta mal ao resumir a execução penal a encarceramento.
O senhor classifica o vandalismo em Brasília como atos de terrorismo e portanto passíveis de serem enquadrados dessa forma?
Creio que há sim essa possibilidade porque tivemos crimes com intuito político. Essa é a fronteira que demarca a fronteira de terrorismo e de crimes contra o estado democrático de direito. Na medida que ali havia sim intuito político evidente, é um enquadramento possível. Tanto na lei do terrorismo quanto no capítulo do Código Penal sobre crimes contra o estado democrático de direito. Eu não posso afirmar que será isso porque obviamente não é uma decisão que depende do ministro. Depende do delegado que vai conduzir os inquéritos e do Ministério Público.
Há segurança suficiente que possa garantir a normalidade da posse e também o desfile de Lula em carro aberto?
O planejamento vai todo nessa direção porque ele envolve a mobilização de um grande efetivo. Estou falando de milhares de policiais e de algum tipo de diálogo com GSI. Esse diálogo está em curso, não sou eu que conduzo, claro. Agora tem um ministro da Defesa, comandantes das forças. Então há uma tentativa de construção de um termo de entendimento, com a participação do próprio GSI. E nós teremos um fator determinante: nos atos de arruaça política e de terrorismo da segunda-feira, estamos falando de centenas de pessoas. Na posse teremos dezenas de milhares. O dia 1º de janeiro não é um dia muito suscetível a mobilização, a não ser de quem está motivado a participar. Essa assimetria entre eventuais inconformados e aqueles que estarão festejando também é uma proteção. E a decisão do presidente Lula é essa. Ele quer fazer o desfile, quer fazer o festival cultural.
O monitoramento indica possibilidade de bloqueio de estradas para impedir que caravanas que vêm de todo o Brasil cheguem a Brasília?
Se eu disser em termos absolutos que isso não vai ocorrer de forma alguma, é uma declaração que se choca contra dimensão continental do Brasil. De modo generalizado não vai acontecer. A PRF estará, na prática, sob nosso comando. Pode ter um ponto ou outro, mas sinceramente não acredito. Se houver seria uma coisa muito pequena muito isolada muito irrelevante. Acho realmente que o pior passou.
A PRF se tornou uma das instituições mais impactadas pelo bolsonarismo. Qual o plano para restabelecer a autonomia da corporação e adotar protocolos mais ‘democráticos’ na PRF?
Houve indiscutivelmente politização, ideologização, aparelhamento, partidarização indevida de uma força policial. Houve muitos sintomas disso como esses que você exemplifica, mas isso é algo declinante. Progressivamente, há uma acomodação. A pessoa teve a sua opção eleitoral, legítima, mas não está mais de modo expressivo militando, brigando por essa opção. Temos fatores objetivos. Lula foi diplomado, não houve grandes atos de massa, o Bolsonaro sem capacidade de reação, as badernas e arruaças acabaram afastando pessoas.
Mas como superar a politização?
Em movimentos. Não se supera com um momento mágico de repactuação porque esse momento mágico não existe. Você supera com uma agenda de trabalho. ‘Olha, a agenda é essa aqui e nós vamos caminhar por aqui’. Quem quiser vir, ótimo, é seu dever. E quem não quiser cumprir seu dever? Seguiremos o que a lei manda. Um servidor público não pode escolher a qual governo ele serve. Não tenho ainda o diretor-geral da PRF exatamente porque está sendo escolhido com muito cuidado. Vai ser apresentado ao presidente Lula no sentido de ser uma pessoa que tem essa capacidade de liderar a instituição para o novo momento, com uma agenda de trabalho. Mas o novo momento vai afastar as opções bolsonaristas? Não, e nós não estamos preocupados com isso. O pessoal pode ter votado no Bolsonaro, pode votar de novo. Tem gosto exótico para tudo. O que nós estamos preocupados: esse cidadão que é policial rodoviário federal votou no Bolsonaro e quer votar de novo não pode deixar de trabalhar, de cumprir os seus deveres funcionais.
O que seria essa agenda de trabalho?
Estamos trabalhando nela. A PRF vai ser chamada a participar, atuar na Amazônia muito fortemente. Nós temos muitas BR na Amazônia. A PRF deve retomar o seu protagonismo no patrulhamento ostensivo das rodovias federais que foi uma área praticamente abandonada. Todos os temas relativos a crimes que transitem pelas estradas federais, como tráficos de modo geral, exploração sexual de crianças e adolescentes, de madeira. É uma agenda de trabalho. Uma corporação armada precisa ter coesão porque senão ela degenera. E não teria policiais, mas mini ditadores, o que seria muito perigoso.
No atual governo, a PF perdeu autonomia. O novo governo pretende resgatar a autonomia ou o chefe da PF deverá atender diretamente o senhor e o Lula?
Claro que ele vai ter que atender na matéria administrativa. Há um comando administrativo que foi eleito pelo voto popular, mas esse comando administrativo não se refere ao mérito das investigações. No inquérito, o delegado tem autonomia técnica. Ele se reporta ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Interferência em investigação jamais, nem para um lado nem para o outro. A única modulação que nós faremos é de conduta ética. Por exemplo: investigações espetacularizadas são eficientes? Não, são ineficientes. Quebram o elemento fundamental da instituição que é a sua credibilidade, a sua isenção. Se um delegado espetaculariza uma investigação, ele está praticamente sentenciando o investigado. O delegado vai ter autonomia quanto ao mérito, mas não quanto ao método. No mérito vai dizer se considera crime ou não, mas o procedimento tem que ser manualizado.
Terá autonomia quanto ao mérito ainda que os riscos para Lula, PT e vários aliados sejam os mesmos que os de anos atrás?
O presidente Lula tem em relação a esse tema a mesma visão que tinha 20 anos atrás. Jamais chegou para mim para dizer que isso vai ser de tal forma. A única questão que é pública e que não é, veja, quanto ao presidente Lula ou a esquerda, é quanto a política de um modo geral, é que, às vezes de modo acertado e às vezes de modo errado, a política registra o incômodo com investigações espetacularizadas. Então, esse é um tema que realmente não pode continuar a ser feito como antes, em que faziam uma operação e usavam um aparato desproporcional para poder gerar atratividade, antecipação de mérito. Há diferença entre função política e função técnica. Se você exerce uma função técnica com interesse político, está errado, como a gente viu.
O governo Lula foi responsável pela aprovação da lei de drogas que é, até hoje, muito criticada por setores da esquerda e movimentos sociais por levar ao encarceramento de jovens da periferia, sobretudo negros. Pretende rever essa lei junto ao Congresso e conduzir um projeto de reforma do sistema carcerário?
Em relação ao desencarceramento, à despenalização, no sentido da pena privativa de liberdade, sim. Nós vamos fazer uma alteração em que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) vai virar a Secretaria Nacional Penitenciária e de Alternativas Penais para sublinhar que a execução penal não é igual a prender. A execução penal é muito maior que prender. A prisão na verdade é o último instrumento. Então, nós vamos colocar alternativas penais no mesmo patamar que a prisão, formalmente falando na estrutura do ministério. Isso é um problema secular, por várias razões. Ideológicas ou simbólicas. O sistema penitenciário se presta também a essa visão de perpetuação de privilégios, de discriminações. E isso fez com que houvesse uma ideia de que execução penal agora é igual a aprender. Não é. Então, essa é a grande mudança: alternativas penais do mesmo tamanho, e eu diria que até com primazia, sobre a pena de prisão.
Existe um pensamento médio que vê essa ideia de penas alternativas como forma de colocar bandidos na rua. Haverá desgaste?
Quando você coloca que alternativa penal é exclusivamente para crimes cometidos sem violência e sem grave ameaça à pessoa, fica mais claro o debate. Alternativas penais não é para quem cometeu homicídio, latrocínio, estupro. E complementamos dizendo que preso custa R$ 2.500 por mês. Uma pena alternativa, R$ 250. A sociedade entende que é um caminho melhor.
E quanto a eventuais mudanças na lei de drogas?
Eu não compartilho muito dessas visões de que a lei de drogas é a culpada. Ela cumpriu um papel muito importante. Praticamente você não tem pessoas presas por posse. Já foi um avanço. Mas qualquer novo avanço legislativo depende de uma decisão do Supremo que tem um julgamento iniciado sobre drogas. Em algum momento vai concluir, provavelmente no próximo ano. O mais correto é esperar o término desse julgamento que aí você faz uma normatização de acordo com que o Supremo venha a entender sobre o que é posse e o que é tráfico.
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