Irregularidades na compra de peixes pela Secretaria Municipal de Segurança Alimentar (Semsa) de São Luís, levaram a 5ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa a propor uma Denúncia contra a ex-secretária Francisca de Fátima Ribeiro e outras 11 pessoas.
Figuram entre os denunciados Luis Claudio Gomes Moraes (administrador da Ocean Comércio de Pescados Ltda.), Danilo Rafael Ferreira Moraes, Ana Glaucia Martins Gonçalves, Inaldo Sousa, Yasmin Ribeiro Moraes, Zenith Ribeiro Fialho, Tanus José Beliche Neto, Isabel Cristina de Freitas Ribeiro Moraes, Josivaldo Mendes Martins, Nora Suely Carvalho Ribeiro e Ana Paula Carvalho Costa (empresários do ramo de pescados).
A investigação do Ministério Público do Maranhão foi iniciada a partir de um processo de auditoria realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA). Chamou a atenção da corte de contas o valor de R$ 14.784.000,00 para aquisição de 2.200.000 quilos de pescados, em atendimento ao Programa Peixe Solidário, no exercício financeiro de 2018.
A análise apontou uma série de irregularidades que vão desde o planejamento orçamentário, passando pelos processos licitatórios e chegando ao processamento da despesa. Na fase de planejamento, a auditoria verificou que o orçamento inicial do Programa Peixe Solidário era de R$ 100 mil, subindo para R$ 9.456.006,05.
De acordo com o TCE-MA, não existiram estudos por parte da Administração Municipal que demonstrassem os métodos e critérios usados para a definição dos quantitativos de pescados nem uniformidade no total distribuído, destacando que em alguns meses não houve distribuição do alimento.
Além disso, o valor da despesa executada com o Programa foi superior ao previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para a despesa total da Semsa, incluindo todos os seus programas e despesas de custeio e pessoal.
LICITAÇÃO
Irregularidades também foram apontadas no pregão presencial realizado pela Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e nos contratos firmados com a empresa Ocean. Entre os problemas estão deficiências na pesquisa de mercado; participação contínua e não justificada das mesmas empresas nas pesquisas de preços dos processos licitatórios; ausência de comprovação, na fase de habilitação, da regularidade da empresa Ocean junto à Prefeitura de São Luís; e sobrepreço de R$ 544 mil ao comparar o valor da ata de registro de preços de 2018 em relação à de 2017, ainda vigente na época.
Também foi constatada a utilização de uma declaração falsa, assinada por Ana Gláucia Martins Gonçalves, de que a Ocean Comércio de Pescados Ltda. se enquadraria como pequena empresa. Para isso, o faturamento da empresa deveria ser de, no máximo, R$ 360 mil, mas a receita operacional bruta obtida em 2017 foi de quase R$ 9 milhões. Além disso, no balanço patrimonial da empresa são informados veículos em um total de R$ 267.712,00, mas consultas ao Detran realizados em novembro de 2018 e fevereiro de 2019 não mostraram registros de automóveis em nome da Ocean.
Foi verificada, ainda, a existência de conluio entre empresas para beneficiar a Ocean. As mesmas empresas sempre participaram das pesquisas de preços de licitações verificadas pelo TCE-MA. De acordo com o setor da Semsa responsável pelas pesquisas, isso aconteceria pois essas seriam as únicas empresas com capacidade técnica para fornecer o volume de pescados necessários. No entanto, não foram apresentados estudos ou documentos que comprovem o argumento.
Nas pesquisas, os menores valores cotados sempre foram os da Ocean. Além disso, embora várias empresas participassem dessa etapa prévia, a Ocean era sempre a única a participar da fase de apresentação de propostas dos processos licitatórios. Dessa forma, a empresa sempre foi vencedora nos pregões em que participou, tanto em São Luís quanto em outros municípios maranhenses.
VÍNCULOS
Uma das empresas envolvidas no esquema, a Comercial RM Ltda., tem endereço praticamente idêntico ao da Ocean Comércio de Pescados Ltda., além de pertencer Yasmin Ribeiro Moraes, filha do administrador e ex-sócio da Ocean, Luis Claudio Gomes Moraes. Os vínculos entre os denunciados, no entanto, não param por aí.
As empresas e pessoas participantes dos supostos processos de licitação estão diretamente ligadas entre si, o que foi comprovado pela quebra dos sigilos bancário e fiscal dos envolvidos e das empresas. A análise desses dados pelo Laboratório de Lavagem de Dinheiro do MPMA constatou “a contínua movimentação financeira realizada entre os sócios e demais envolvidos das empresas que, repetidamente, participam das licitações referentes à contratação de pescados”.
Para o promotor de justiça José Augusto Cutrim Gomes, autor da ação, as ligações apontadas “indicam o comprometimento da isonomia entre os licitantes e da própria vantajosidade da proposta vencedora”.
CONTINUIDADE
Embora a análise do TCE-MA tenha sido restrita ao exercício financeiro de 2018, as investigações da 5ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa apontaram que a contratação da Ocean pela Secretaria Municipal de Segurança Alimentar continuou em 2019. Dois contratos foram firmados, com valores de R$ 1.506.701,0 e R$ 1.617.955,22.
Chama a atenção que o primeiro contrato foi firmado em abril de 2019, com vigência até 31 de dezembro do mesmo ano. Logo em seguida, em junho, foi assinado o segundo contrato, com objeto idêntico ao anterior, alterando-se apenas a quantidade de quilos de peixes a ser fornecida.
Em 2020, a Semsa firmou contrato de fornecimento de pescados com a empresa I C Fesh do Maranhão, cujo endereço é idêntico ao descrito no CNPJ da Ocean Comércio de Pescados Ltda.
CRIMES
O Ministério Público do Maranhão denunciou todos os envolvidos pela prática dos crimes previstos no artigo 90 da lei nº 8.666/1993 (Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação), cuja pena prevista é de detenção de dois a quatro anos e multa.
Eles também foram denunciados por associação criminosa (um a três anos de reclusão) e por crime continuado, o que pode aumentar a pena de um sexto a dois terços.
Ana Gláucia Martins Gonçalves também foi denunciada por falsidade ideológica, cuja pena é reclusão de um a três anos, além de multa.
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