Tite e Marquinhos deixaram claro que ali, naquele gramado do Maracanã, havia uma linha que separa a dignidade e a indecência e decidiram que não iriam atravessá-la. Fizeram muito bem, diz o colunista Paulo Moreira Leite.
Tite e Marquinhos driblam Bolsonaro e deixam exemplo para o país
“Ao evitar uma aproximação indevida de Bolsonaro após o 3 a 1 da Seleção sobre o Peru, Tite e Marquinhos mostram a consciência de quem conhece a fronteira entre dignidade e covardia”, escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247.
O drible de Tite e Marquinhos, que desviaram de uma tentativa de abraço de Bolsonaro no final da vitória do Brasil sobre o Peru, é uma dessas atitudes que ficará para sempre em nossa história.
Gestos dessa natureza são raros em qualquer país, ainda mais numa conjuntura política carregada de incertezes. Expoem indivíduos, podem gerar perseguição e até coisa maior. Basta pensar nas promiscuidade reinante entre os cartolas da CBF e o governo federal para reconhecer o valor dessa atitude.
Numa conjuntura como a atual, o gesto de Tite e Marquinhos tem o valor único das atitudes que confortam a cidadania, reafirmam valores de um povo e mostram a importância de manter-se de pé quando o estímulo para ficar de cocoras está em toda parte.
Tite e Marquinhos deixaram claro que ali, naquele gramado do Maracanã, havia uma linha que separa a dignidade e a indecência e decidiu que não iriam atravessá-la. Fizeram muito bem.
Tenho certeza de que a atitude será assunto nas rodas de conversa nas escolas, nos pontos de ônibus, no fim da tarde nos botecos.
Foi um gesto mudo, mas que pode ser ilustrados pelas palavras mundialmente conhecidas, repetidas, traduzidas e trabalhadas por vários poetas do mundo, em versos sempre oportunos. Publico aqui a versão de um pastor luterano, Martin Niemoller (1892-1984), testemunha da ascenção e queda do Nazismo:
Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista
Quando prenderam os socias-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata;
Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista.
Quando eles buscarm os judeus, fiquei em silêncio; eu não era judeu.
Quando eles vieram me buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar.
Decidido a falar quando todos calavam, o pastor enfrentou sete anos de prisão em campos de concentração — inclusive um dos mais tenebrosos, Dachau — por determinação expressa de Hitler.
Numa aberração típica das piores tiranias, ele considerava o pastor como seu “prisioneiro pessoal”. Terminada a guerra, voltou a empolgar platéias com grandes pregações, nas quais fazia questão de sublinhar a responsabilidade dos indivíduos em grandes momentos da história.
Num gesto político de humildade, Niemoller fazia questão de pedir pesssoalmente desculpas aos judeus e outras vítimas do nazismo.
Deixava claro que uma das piores e mais degradantes tragédias da humanidade poderia ter sido evitada se a resistência tivesse sido maior. Certíssimo.