Num raro consenso, a mídia brasileira, tanto a progressista como a conversadora, constata: é insustentável um governo comandando pelo clã Bolsonaro, no qual os filhos do presidente mandam mais que ministros de Estado e, aparentemente, têm influência decisiva sobre o pai-presidente. Foram vários os editoriais e artigos publicados nesta sexta-feira (15). “Filhocracia” foi o título do editorial de O Estado de S.Paulo nesta sexta-feira; “Parente em Palácio é alto risco de crise”, foi o título do editorial de O Globo; no GGN, Luis Nassif apontou: “o episódio Bebianno mostrou que Jair e filhos são incontroláveis”; no 247 a sequência de reportagens e artigos sobre a crise de governabilidade causada pelo clã sucedem-se um depois do outro.
O tom em toda mídia é o mesmo: não dá mais. O jornal Estado de S.Paulo, apoiador de Jair Bolsonaro desde a primeira hora na campanha eleitoral e que realizou um giro de seu conservadorismo histórico rumo à extrema-direita em 2018, foi enfático: “o episódio em que Carlos Bolsonaro levou à execração pública um ministro de Estado deixou claro quem é que tem autoridade no Executivo – gente que pretende governar sem ter recebido um único voto para isso”. O editorial do jornal decretou: “É lícito supor que, em momentos de crise – e o que não falta nesse governo recém-inaugurado é crise –, será aos filhos que Jair Bolsonaro dará ouvidos, e não a seus auxiliares. É a ‘filhocracia’ instalada de vez no Palácio do Planalto”.
O Globo, da família Marinho, que também apoiou abertamente Bolsonaro nas eleições, apesar de não ter aderido à extrema-direita e estar enfrentando hostilidades do clã desde a posse, não deixou por menos, indicando que os “filhos de Bolsonaro causam mais prejuízos à imagem do governo do que toda a oposição”. O jornal foi além, e apresentou uma análise segundo a qual a questão não é simplesmente a ação dos filhos, mas a lógica de clã da família Bolsonaro, o que atinge diretamente o presidente:”A lógica com que parentes atuam no poder não é simples. Pode haver alguma matéria delicada no Congresso, mas se um filho decide atacar um parlamentar de peso por alguma razão familiar subjetiva, o fará. É impossível separar o vereador Carlos, o senador Flávio (01) e o deputado federal, por São Paulo, Eduardo, o 03, da figura do presidente. O que fizerem de errado lançará estilhaços na Presidência”.
Já Luis Nassif, liderança destacada do campo da mídia progressista do país, apresentou uma questão chave em seu artigo: não foi a oposição que criou crises até agora: “O governo Bolsonaro não precisa de inimigos. Ele e a família se bastam”. Nassif desvendou a lógica relacional do clã, demonstrando como o país está metido numa camisa de força: “O pai é emocional e politicamente dependente dos filhos. E os filhos são completos sem-noção. O governo Bolsonaro não sobrevive com os filhos no centro dos acontecimentos. E o pai não sobrevive sem eles. Como é que se resolve esse drama nelsonrodriguiano?”.
No espectro oposto, o jornalista Merval Pereira, que funciona como um porta-voz informal da família Marinho, escreveu que é “gravíssimo” que um dos filhos de Bolsonaro tenha acesso à senha do twitter e fique postando em nome do pai. Para ele, a lógica de ação do clã é uma crise de Estado: “O Estado não pode ficar em mãos indiretas, seja de quem for. Caso o presidente aceite a pressão do seu filho vereador Carlos para demitir o ministro Bebianno, vai ficar cada vez mais nas mãos das redes sociais e dos filhos, que tentam aumentar o poder no governo”.
Os Jornalistas pela Democracia, projeto apoiado pelo 247, têm apontando insistentemente a inviabilidade de o país ser governado no regime do clã. Apenas na manhã desta sexta-feira foram manchetes artigos de Paulo Moreira Leite e Gilvandro Filho.
Paulo Moreira Leite (PML) escreveu sobre as consequências do cenário atual: “Em pouco mais de um mês no cargo, comprovou-se uma conhecida verdade da política universal, tão antiga que emprega linguagem religiosa para falar do sofrimento de homens e mulheres de todas as épocas: quem faz acordo com a treva deve estar preparado para o momento em que o demônio virá cobrar a conta.”
Gilvandro Filho anotou que Jair Bolsonaro “tem em Flávio, Carlos e Eduardo uma espécie de tríade divina que tudo pode e que pensa ter nas mãos os destinos do Brasil e dos brasileiros”. Mas advertiu: “E não é assim. Ou não pode ser assim”.