Guardo com muito carinho na cozinha de minha casa uma tabuleta escrita em grego onde se lê “Taverna Aqui os Homens Não Choram”. É a reprodução do cardápio de um belo, pequeno e romântico restaurante de Oia, vilarejo situado na ilha de Santorini, mar Egeu. Comprei o retábulo para marcar uma noite magicamente agradável em que eu e minha esposa terminamos por nos integrar aos gregos locais bebendo, comendo e conversando sobre a vida. Embalados pela retsina – o ácido vinho verde típico da Grécia – terminamos indo às lágrimas sem compostura ou reservas. A cena contrastava com a rusticidade dos homens da região. Daí ter decidido levar uma lembrança daquele momento e tê-la colocado, desde então, à minha vista diária. A finalidade sempre foi lembrar-me: homens choram, por mais inusitado que isso pareça.
Eis que Brasília é, no momento, a metrópole com o maior número de relatos de homens chorosos por metro quadrado que se tem notícia.
Sim: na capital do país há sucessivos casos de poderosos varões vertendo lágrimas.
Não se discutirá aqui se tal espetáculo é feio, bonito, próprio ou impróprio; não. Verter lágrimas não desmerece o gênero masculino, não tira dos chorões do Planalto Central a virilidade e, muito menos, é decorrência de eventuais tropeços ou insucessos em suas carreiras profissionais ou nos cargos públicos que ora ocupam. A epidemia de choro masculino é apenas um fato. Contudo, a repetição continuada de homenzarrões chorando, lamuriantes, no centro do poder, é sinal evidente de que a Democracia está doente.
Nas últimas três semanas vi, mais de uma vez, deputados e senadores marejarem os olhos, disfarçarem com colírios assépticos o encarnado dos globos oculares e mesmo enxugar as lágrimas que corriam pela face. Um governador e um prefeito também o fizeram. Ao menos dois grandes empresários, idem. Assim como três ministros de tribunais superiores, um deles integrante da cúpula de sua Corte. A coleção de casos e o inusitado que é testemunhá-los impeliu-me a refletir sobre o tema.
O motivo que une, em gradações diversas, o choro desses varões da República é a sensação de impotência ante a ameaças ou a ataques diretos que têm sofrido. São agressões ora veladas, ora públicas, desferidas contra a honra ou contra a integridade física deles e de suas famílias. Em alguns casos, autoridades da República são advertidas pelos chantagistas da existência de esqueletos do passado que podem pular dos armários onde estão impelidos. Quem os tiraria de lá, de acordo com os achacadores de honra, seriam milícias de extrema-direita. A razão desses ataques: as vítimas dessas ‘volantes da desonra’ estariam a adotar posicionamentos críticos ao senso comum reacionário instalado no Brasil com a Lava Jato e chocariam, por conseguinte, com a doutrina do assassinato de reputações.
Na esteira das lágrimas dos homens de Brasília há sempre recuos asquerosos de posições que ensaiavam avanços na direção de tirar das trevas uma Nação cega pelo ódio classista e pelo recalque ideológico disseminados nos três últimos anos. Quando isso acontece, as lágrimas se convertem no elemento palpável da covardia. É a mesma covardia que lubrifica as engrenagens da máquina de moer biografias e páginas marcantes da História instalada pela ultradireita por meio de suas usinas de ódios e recalques geridas pelos MBLs e VPRs da vida. São açulados pelo astrólogo de Richmond. Suas moendas funcionam tendo por correia de transmissão a família Bolsonaro.
O último desses episódios de chantagens marcadas por choros compungidos de uma alta autoridade foi o cancelamento da sessão do Supremo Tribunal Federal marcada para ocorrer no dia 10 de abril. Havia sido pautada para reavaliar a prisão de réus após a pronúncia de sentenças em 2ª instância e não depois do trânsito em julgado, como determina a Constituição. Reunidas em atenção a apelo do presidente do Supremo Tribunal Federal, diversas entidades da sociedade civil e mais de 200 personalidades subscreveram um libelo de apoio ao STF e às suas prerrogativas. No dia seguinte, o presidente do Supremo mudou a pauta e cedeu às pressões comezinhas e chantagistas de núcleos armados do Estado – armados de escopetas com mira de precisão e silenciadores, capazes de alvejar e destruir mesmo a melhor das biografias.
É razoável deixar que boçais preservados pelo anonimato e pelas prerrogativas de seus cargos públicos, imbuídos do pior espírito e da mais vil das ameaças que fazem a homens públicos governem e reescrevam por atalhos a Constituição brasileira dessa forma? Não, não é! Mas é o que está a ocorrer. A sessão de desagravo ao Supremo Tribunal Federal, no lugar de fortalecê-lo, terminou por dar energia aos chantagistas na medida em que se tornou inútil para afirmar um caminho de coragem e de imposição de nossa Corte máxima ante os operadores dos arsenais de lama. Eles trabalham para desmoralizar a política, desestabilizar o necessário equilíbrio entre os poderes da República e ameaçar de enxovalhamento integrantes do Judiciário.
O choro de emoção é humano. O choro pós-tensão é igualmente humano. O choro de paixão, idem: nada mais humano. O choro de decepção, então?
Mas deixar que a covardia faça homens de Estado paralisem diante de chantagens, marquem suas missões públicas por retrocesso ante ameaças, e chorem…? Esse não é um comportamento aceitável.
Brasília não é uma taverna grega pintada de branco e perdida no azul profundo do Mar Egeu onde, numa noite de férias em maio de uma primavera maravilhosa, perdemo-nos a chorar enquanto bebíamos e contávamos reminiscências de dois mundos. A capital do Brasil tem suas regras, tem seus ritos e tem a Constituição a traçar as regras do jogo e a punir o antijogo. Lágrimas não vencem os criminosos que praticam a perfídia da chantagem. Ações práticas e pragmáticas contra eles são necessárias e urgentes. Essa é a única saída para reconciliar as estruturas do poder em torno de taças de vinho, copos de uísque e de boas rodas de conversa nas quais se exerça a saudável discordância, o salutar dissenso, sem lágrimas covardes – mas com o mais humano, gregário e perdoável das desculpas: a do porre em fim de noite.