Os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba arquivaram, em outubro deste ano, um inquérito sob segredo de Justiça que investigava a suspeita de crime financeiro por funcionários do banco Safra. O caso envolvia a concessão de um empréstimo milionário para uma empresa de fachada do doleiro Alberto Youssef em 2012, quando ele já havia sido condenado no caso Banestado e era considerado um “perfil de alto risco” para transações financeiras. No documento sigiloso, analisado pelo EL PAÍS em parceria com o The Intercept Brasil, os procuradores concordam em encerrar o caso deixando de lado suspeitas que eles mesmos haviam levantado contra o banco em conversas pelo Telegram, obtidas pela reportagem. O coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, chegou a afirmar em mensagens que, se o Safra tivesse avisado as autoridades sobre o empréstimo suspeito, a Lava Jato, deflagrada em 2014, poderia ter começado dois anos antes. “Não houve checagem sobre quem era o doleiro ou comunicação de operação suspeita, o que poderia ter antecipado a descoberta do grande esquema criminoso da Lava Jato”, escreve Dallagnol, em conversa com o procurador Paulo Galvão em março de 2018 pelo Telegram.
A trama começa em março de 2014, quando a Lava Jato prendeu Youssef, que se transformaria em delator e confessaria ter um papel central no esquema de desvio de recursos públicos destapado pela operação. Naquele momento, o então juiz Sergio Moro determinou o sequestro e congelamento de dezenas de negócios e movimentações do doleiro. Dentre eles estava o Web Hotel Príncipe da Enseada, em Porto Seguro, na Bahia. Ocorre que a propriedade havia sido dada como garantia de um empréstimo que Youssef havia conseguido junto ao banco Safra. Por meio de uma empresa de fachada, a GFD Investimentos (investigada desde 2014 na Lava Jato), o doleiro conseguiu cerca de 10,5 milhões de reais emprestado do banco. Porém, ao ser preso, deixou de pagar a dívida. Por isso, o banco foi à Justiça reclamar com Moro pelos direitos ao imóvel.
A reclamação do Safra chamou a atenção dos procuradores para o caso. A força-tarefa pediu então, em 2015, a abertura de um inquérito para apurar suposto crime dos funcionários do banco na negociação com o doleiro. Em tese, essa tratativa deveria ter sido reportada ao Conselho de Controle de Atividades Econômicas e Financeiras (COAF), mas não foi. “Não avisaram o Coaf então?!”, questiona Dallagnol, em março de 2018 no Telegram —a transcrição das conversas e documentos preserva a grafia encontrada nos arquivos originais. O procurador Januário Paludo, também da FT da Lava Jato, diz então que o Safra sabia “muito bem” com quem estava lidando. O EL PAÍS apurou que o doleiro era cliente antigo do banco, pelo menos desde a época do caso Banestado.
Quase três anos antes do encerramento do inquérito, porém, a força-tarefa fechou um termo de ajustamento de conduta (TAC) que blindava o Safra de qualquer ação civil pública sobre a condução do negócio com Youssef.
Em troca, o banco se comprometeu a melhorar suas práticas (ainda que não haja nenhum mecanismo previsto para a verificação) e aceitou pagar 4 milhões de reais sob a justificativa de garantir a propriedade do hotel. Divulgado à época como um instrumento para encerrar uma disputa sobre a propriedade de um imóvel de Youssef reivindicado pelo Safra, o TAC acabou esquecido em meio à enxurrada de informações da Lava Jato.
A história voltou à pauta dos procuradores, em março de 2018, quando Dallagnol enviou uma mensagem ao procurador Paulo Galvão perguntando sobre o caso.