Não vai ser fácil para o presidente Michel Temer ou para o seu lugar-tenente Henrique Meirelles convencer o governador Fernando Pimentel, de Minas Gerais, a entregar os anéis para não perder os dedos nessa estratégia de estrangular os Estados na renegociação de suas dívidas com a União. É verdade que essas dívidas, de um modo geral, têm levado alguns Estados à situação de insolvência, como é o caso do Rio de Janeiro ou do Rio Grande do Sul, para ficar apenas nestes. Minas, com uma dívida de mais de R$ 60 bilhões não se encaixa nessa faixa, mas também não se pode dar ao luxo de entregar os anéis, como impõe Meireles em troca de um oxigênio de três anos, tempo suficiente para que os entes federados mais asfixiados possam ter um respiro.
A situação financeira de Minas não é das mais confortáveis, mas também não é das piores. Não custa lembrar que ao assumir o governo do Estado, em 1998, o então governador Itamar Franco já encontrou o caixa do Estado em situação deplorável, tanto que em seu primeiro pronunciamento declarou Minas em moratória e suspendeu o pagamento aos fornecedores por seis meses. Claro, o então presidente Fernando Henrique Cardoso retaliou seu antecessor na presidência da República e negou a Minas os avais necessários para empréstimos internacionais. Itamar foi à forra e ameaçou desapropriar Furnas, além de melar a venda de parte da Cemig a grupos estrangeiros que fizeram a compra por meio de fundos de pensão dos Estados Unidos. Era a guerra, com direito até à exibição de carros blindados nos jardins do Palácio da Liberdade.
Ocorre que desses episódios não ficou boa memória, muito menos bons números. E a situação de Minas se agravou mais ainda com o projeto juscelinista do senador Aécio Neves de fazer a Cidade Administrativa ao custo de mais de R$ 2 bilhões. Esse projeto, na verdade, apesar do custo e das lendas ao seu redor, teve também seu lado positivo, dando vida útil ao Aeroporto Tancredo Neves e puxando o vetor do crescimento para o lado Norte do município de Belo Horizonte. Contudo, deteriorou o caixa do tesouro estadual e a dívida de Minas com a União, sobretudo, ficou em posição crítica. Ainda assim, longe do que acontece, por exemplo, com o Rio de Janeiro.
Mas dívida é para ser paga. E Minas não se recusa a pagar, ainda que o governador Fernando Pimentel tenha recebido o Estado com um déficit orçamentário de quase R$ 8 bilhões e com uma folha de pagamento perto dos 95 por cento da sua arrecadação. Ou seja, no osso. É nesse cenário que se encontra Minas frente à dívida com a União. O que fazer? Com o ministro Meireles colocando a faca no pescoço dos governadores para que paguem o que devem aos cofres federais, Minas não se recusa a negociar, mas não aceita as condições impostas pelo governo federal. Não aceita, por exemplo, deixar cair a qualidade dos serviços prestados à população, recusa penalizar o funcionalismo com a falta de reajustes ou com a perda de direitos historicamente conquistados, como recusa também, menos por questões filosóficas, a privatizar empresas estatais, caso da Cemig – emblemática desde os temos de Itamar – ou alienar parte de suas companhias para atender aos programas do governo Temer.
Em contrapartida, o governo mineiro quer negociar. Não sem antes fazer o seu dever de casa. Por exemplo, reduziu de R$ 8 bi para R$ 6 bi o déficit orçamentário do Estado nesses últimos dois anos e se propõe, como outra alternativa, a vender a Cidade Administrativa ao preço de mais R$ 2 bilhões para em seguida alugar suas instalações com visível economia para o Estado. E assim por diante até chegar aonde quer o governo federal, mas sem ferir a autonomia do Estado ou ferir a sua soberania. Ora, a melhor saída para os dois lados estaria no cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal que no final do ano passado julgou favoravelmente a Minas Gerais a ação de compensação dos efeitos da Lei Kandir, a legislação que pune com a perda do ICMS os Estados exportadores, como Minas Gerais. O STF deu ganho de causa a Minas e obrigou a União a compensar o Estado com nada menos de R$ 88 bilhões pelas perdas da Lei Kandir. Ora, se Minas deve perto de R$ 65 bi em números aproximados e tem a receber cerca de R$ 13 bi, que é a diferença entre pagar e receber, não está longe a possibilidade de o Estado montanhês e a União chegarem a um acordo, desde que haja de parte do governo federal a sincera disposição de negociar. Seria o conhecido encontro de contas, cuja iniciativa já foi tomada pelo governador Fernando Pimentel em oficio encaminhado a Michel Temer dias atrás. O que Minas não aceita, até pela sua formação histórica, é a capitulação. Ou a perda de sua soberania. O resto é fácil. Minas deve e quer pagar. Mas tem crédito e quer receber.